LITURGIA DO CULTO
13 DE DEZEMBRO DE 2015.
Já escrevi aqui que o Natal está
descristianizado. Muito pouco dos enfeites nas ruas, praças e casas fazem
qualquer referência a Cristo. Na minha infância recordo-me das enormes figuras
do presépio nas praças de Poços de Caldas, minha cidade natal. Quer na praça
central, enfrente da Basílica ou nas praças menos badaladas. Sempre havia um
presépio, ou a figura de anjos tocando trombetas e um berço com um menino.
Hoje, em qualquer lugar que se vá, lá ou outra cidade, os enfeites, em
esmagadora maioria, apresentam outras personagens e têm outras mensagens.
Bonecos de neve (nos mais de trinta e cinco graus de média em nosso verão),
renas, `Papais Noéis’ vermelhos, verdes, azuis, ao gosto e ao sabor das
ideologias. Sem falar no altruísmo e na solidariedade de ocasião que só se
manifestam na maioria das vezes nesta época do ano. Mas, nós cristãos devemos
nos fazer uma pergunta essencial se queremos celebrar o Natal com maturidade e
isento dos perigos da idolatria e do ateísmo prático desta sociedade secularista.
Afinal de contas, por que Cristo veio ao mundo? Muitas vezes temos dificuldade
em responder a esta pergunta devido ao clima suavizado, inofensivo, pacífico de
uma estereotipada imagem que temos da estrebaria de Belém. Na verdade o
mistério do Verbo feito carne que nasceu entre nós, que chamamos de Natal, tem
propósitos bem definidos na mente eterna, santa e sábia de Deus Pai. Primeiro, “Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido”
(Lc 19.10). Isto significa que Jesus nasce para ser o Salvador não dos homens
bons e de bem, os
Este final de ano tem tudo para ser marcado pela
desesperança. Muitos estão chamando este Natal de o Natal da depressão. Olhando
em volta o que se vê é um país em crise em todas as instâncias. Falta de
credibilidade do governo, clima de cinismo, hipocrisia e grave crise ética no
Congresso, pessimismo no mercado, achatamento salarial, aperto fiscal, inflação
e desemprego. Ufa, o que não faltam são ingredientes para arrastar mesmo o
humor para os níveis mais baixos possíveis. Por isso mesmo não faltam vozes
afirmando que este Natal tem tudo para ser o pior dos últimos anos. Pode ser,
com quadro descrito acima, só que não! Precisamos identificar de que Natal
estamos falando. O Natal da cultura ocidental, consumista, secularista,
mercadológico, com uma mensagem insossa de saúde, paz e harmonia. O Natal dos
comes e bebes, das roupas brancas, do Papai Noel, bom, este natal tem tudo para
estar em crise e é bom que esteja mesmo. Na verdade, torço para que este Natal
desapareça o quanto antes. Que se perca completamente neste mar de melancolia e
depressão e que nunca mais o queiramos celebrar. Mas, o verdadeiro Natal não
está e nunca esteve em crise, desesperança e depressão. O Natal que queremos e devemos
celebrar é sempre portador de santa alegria, pois fez com que os anjos
descessem dos céus e cantassem diante dos pastores encantados nas pradarias de
Belém. É o natal que põe tudo em movimento, faz com que os corpos celestes
sirvam de ‘estrela guia’ para os magos peregrinos que enfrentam e vencem todo e
qualquer obstáculo para testemunharem a vinda d’Aquele que traria paz
invencível aos corações de todos. A esperança do Natal evita o medo e o
desânimo que a tudo e a todos paralisa. O Natal que desejamos que ressuscite
nos corações de homens e mulheres, que ressurja nas famílias, que reapareça na
sociedade e que seja celebrado pela comunidade cristã é o que faz memória
adorante, oração fervorosa e gratidão em profusão pelo imenso dom de amor do
Pai feito na doação de Jesus o Filho amado para ser nosso irmão, Senhor e
Salvador. Ressuscitar o Natal significa contar a história de Cristo, história
cujas raízes se encontram já no Antigo Testamento na aurora da humanidade, lá
em Gênesis 3.15 no anúncio do Messias vencedor do mal. Narrativa que cresce em
intensidade ao longo dos livros históricos e é cantada nos salmos, meditada nos
livros poéticos, ganha cores fortes e contornos inequívocos nos profetas e na
plenitude dos tempos se cumpre no nascimento de Jesus. Ressuscitar o Natal é
anunciar aos homens e mulheres de nosso tempo, cansados, hesitantes,
apavorados, preocupados com a incerteza do futuro e com sentimento de
desamparo, que o príncipe da paz já veio. Que o doador da paz, o autor da
salvação já nasceu e está presente entre nós como dom e que retornará dos céus
para nos levar consigo. Por isso, meu conselho é que você não compre cartões
que desejam Boas Festas, isto não significa coisa alguma, mas aqueles que
trazem mensagens cristãs explícitas. Não se preocupe em dar presentes em papel
colorido, mas em ser presente e presentear os que você ama e quer bem com o
testemunho do Evangelho, com um gesto de amor altruísta e desinteressado.
Comprometa-se em fazer o bem, em distribuir amizade, carinho, amor e sustento
para os pobres, não porque é Natal, mas porque você compreendeu porque houve o
‘primeiro Natal’ e agora entendeu que a primeira lição é que não podemos viver
para nós mesmos. Nossa vida foi-nos doada para que a fizéssemos dela um dom
para os outros. O Natal que não tem depressão, que não é melancólico e que não
se deixa contaminar pela desesperança, é a Celebração de gratidão e louvor ao
Pai que amou o mundo de tal maneira que enviou—nos o seu Filho amado (Jo 3.16).
Os que se preparam para celebrar este Natal de Jesus também podem sofrer todas
as consequências desta conjuntura econômica e política que tantos dissabores
têm causado. Todavia, como não colocam as suas esperanças definitivas nestas
coisas, sabem que a mensagem central do Natal recorda-nos que os que recebem o
Filho e nele esperam já são mais que vencedores e a infelicidade e mal não
podem triunfar.
Iniciamos um novo ano cristão, inauguramos um novo ano
litúrgico com a estação do Advento. Este período da liturgia cristã quer
ajudar-nos em nossa preparação para a festa do Natal de Jesus Cristo. Dentro e
fora da igreja não faltam objeções quanto á oportunidade e a legitimidade desta
celebração. Dentro da igreja os que são de uma linha, digamos, “neopuritana”
querem fazer-nos crer que coisa alguma há na Bíblia que nos autorize a nossa
reunião como igreja para a celebração do nascimento de Jesus Cristo segundo a
carne. Há também outra geração de cristãos, se bem intencionados ou não
impossível determinar, que também apenas enxergam a identificação da igreja com
uma prática mundana e secularista para fazer incrementar as vendas neste
período, e por isso mesmo, uma festa diabólica. Nas trincheiras do mundo
pluralista e secularizado há quem questione a legitimidade de os cristãos
poderem celebrar com tanta ênfase esta festa, que para eles, não passa de um
mito ou de uma fábula sem sentido. Nos dois casos estamos conscientes de que há
algo de verdadeiro nessas afirmações. De fato, não há uma clara e nem uma sutil
ordenança bíblica para que celebremos esta festa. Também é verdade que há muito
tempo o mercado pegou carona nesta festa e com sua cultura secularizante
introduziu elementos alienígenas à festa, o Papai Noel é um deles. É verdade
também que Jesus Cristo já não é uma unanimidade em nossos tempos, os dias da
cristandade já vão longe. Todavia, celebrar o Natal nada mais é do fazer um
culto em Ação de Graças pelo fato de que Deus tendo amado o mundo de tal
maneira enviou-nos o seu Filho amado para ser o nosso redentor. Regozijar-nos nestes dias significa expressar
todo o nosso contentamento com esta maravilhosa prova de amor que o Pai nos
deu. E onde entra o Advento nisso tudo? O Advento possui duas funções
importantes para o ministério da Igreja. A primeira e muito fundamental é a
função catequético-doutrinária, isto é, assegurar aos cristãos a solidez dos
fatos bíblicos como históricos previstos e prometidos no Antigo Testamento e
plenamente realizados no Novo, na plenitude dos tempos, com o nascimento de
Jesus em Belém de Judá. A segunda e não menos importante é a Kerigmática ou
evangelística. O Advento é uma oportunidade para contar à história que
fundamenta a nossa fé e dar as razões de nossa esperança. É uma oportunidade
riquíssima para comparar o que cremos e celebramos com o que o mundo
caricatamente faz. Também é um tempo para confrontar esta cultura consumista e
superficial com a generosidade de Deus que optou em compartilhar e doar
generosamente o seu mais precioso bem e os essenciais da vida e seu sentido
último. Nunca o tempo do Advento parece ser tão necessário como em nossos dias.
O mundo anda temeroso, já não é um lugar tão seguro como pensávamos. O terror e
os rumores de guerras, conflitos e animosidades ditam os rumos de economias,
políticas e vidas pessoais ao redor do planeta. O mundo clama por tempos de
paz. A tolerância e o politicamente correto parecem não conseguir estabelecer
harmonia e concórdia entre os homens e as nações. O que o mundo precisa mesmo é
reconhecer, acolher e celebrar o Príncipe da Paz, ouvir e entender o Evangelho
da Paz, desejar e desfrutar a ‘Shalom’ de Deus que só o Messias Jesus pode dar.
Beirute, Damasco, Bruxelas, Paris, Mariana, não importa de onde venham os tempos
de terror e sofrimento, se dá sandice de um grupo de religiosos fanáticos, se
de uma milícia formada por jovens secularizados e niilistas europeus ou se dá
ganância e negligência das grandes corporações financeiras. Seja qual for à
origem da dor o remédio será sempre o mesmo, Jesus nascer em nossos corações e
neles reinar soberanamente para sempre. O Advento é um tempo para isso,
exatamente para isso, para despertar, mobilizar, conscientizar aos homens de
que a paz é possível, de que as armas podem ser transformadas em arado e em
instrumentos de vida e de bênção. Que a paz e a prosperidade das nações não são
uma utopia, mas uma pessoa, Jesus Cristo a quem aguardamos e por quem ansiamos
para esteja muito perto o dia de sua chegada entre nós.
O título desta pastoral é uma solene advertência das
Sagradas Escrituras para cada cristão em particular, mas também para a
totalidade da igreja. No que tange a vida pessoal de um cristão o que não lhe
falta é a ocasião para retirar os olhos de Jesus. São as preocupações normais
do dia a dia, as solicitações da vida e sua frenética correria, os muitos
improvisos e infortúnios que não raras vezes nos tiram o equilíbrio. Há também
a cultura do entretenimento que nos pressiona a todo instante para que
desviemos o nosso olhar da realidade e das questões mais essenciais de nossa
existência com o discurso de que relaxar e soltar as rédeas, descansar a mente,
dar um tempo é a única saída para suportar essa vertiginosa época em que
vivemos. Dentro deste contexto temos ainda as redes sociais que solicitam a nossa
resposta imediata ao menor toque de que uma mensagem do ‘wathsapp’ traz as
últimas notícias, por exemplo. A Igreja também pode facilmente desviar o seu
olhar de Jesus. Basta que as Escrituras percam milímetros de sua posição no centro da
vida da comunidade de fé para que nossos olhos se desviem quilômetros de
distância de Jesus. Isso acontece quando a exposição das Escrituras são
substituídas por pregações de auto ajuda, dramatizações, apresentações
musicais, jograis, testemunhos, filmes, palestras inteligentes para se resolver
dramas e questões do cotidiano e etc. Quando em uma igreja a programação de
atividades “extra púlpito” são mais
privilegiadas, tais como chás para as mulheres, campanhas de milagres e busca
de bênçãos
e curas, almoços e jantares temáticos
para fomentar a comunhão e etc. não demora muito e nossos olhos já não estão
mirados em Jesus. Uma igreja perde Jesus de vista quando o culto é pensado para agradar
os de fora, atrair os incrédulos, afagar os egos, contentar a plateia e não se
dirige exclusivamente a exaltação da glória de Deus e a proclamação das
excelências de Cristo. Neste culto que põe o homem e a suas demandas no centro
de suas preocupações Jesus não passa de uma reminiscência bíblica, de um
coadjuvante, de uma expressão religiosa com a qual pomos fim ás nossas orações,
quando elas existem. Mas, há um lugar comum onde o cristão
individualmente e uma igreja perdem Jesus de vista, este lugar é a inexistência
de vida de oração fervorosa, disciplinada e apaixonada. Quando um cristão deixa
de orar em particular, deixa de cultivar um tempo em seu ‘quarto secreto’, não
investe numa relação a sós e pessoal com o Pai, o Senhor Jesus vai deixando de
ser necessário, relevante, essencial e presente em sua vida. Sem a oração nenhuma
bênção pode ser acessada. Sem oração nenhuma graça pode ser apossada com
proveito pelo cristão. Pois, todas as bênçãos prometidas e todas as graças
disponíveis nos vem por Cristo, sem Ele, o Pai não nos atende, não consente em
dar-nos o que necessitamos. Sem oração em nome e nos mérito de Cristo o acesso
a Deus o Pai nos é tanto impossível quanto nosso esforço ou desejo de alguma
coisa d’Ele inútil para nós. Também uma
igreja quando negligencia os seus deveres coorporativos para com a oração tem a
sua vida de comunhão, serviço e testemunho bastante prejudicada. Uma igreja que
não ora perde poder espiritual para o combate com as potestades que escravizam
este mundo caído, vive desorientada e perdida confundindo evangelização com
proselitismo, amor e comunhão com sociabilidade, serviço com cargos e por aí
vai. Quando uma igreja vive centrada na oração Jesus como cabeça e Senhor
doa-lhe o Espírito sem medida para que haja poder no púlpito, graça no serviço,
autenticidade no testemunho, amor recíproco entre os irmãos e amor sacrificial
pelos perdidos e alienados de Cristo. Faz toda a diferença do mundo ter os
olhos em Jesus ou não. Os evangelhos narram dois episódios com o apóstolo
Pedro. No primeiro deles, durante uma tempestade, Jesus caminha sobre as águas
ao encontro dos discípulos temerosos em meio ao mar encapelado e das rajadas de
vento e Pedro pede para ir ao encontro do Mestre. Jesus consente no pedido e
Pedro começa a caminhar sobre as águas como Jesus, mas, quando Pedro desvia por
um átimo de segundo os olhos de Jesus e se deixa impressionar pela força do
vendaval imediatamente começa a afundar (Mt 14. 22-33). Em outro episódio,
Pedro acabara de negar seu amigo e Senhor, o galo canta fazendo recordar
amargurado a profecia cumprida de sua covardia, todavia, quando seus olhos
cruzam com os de Jesus o remorso doloroso cede seu lugar para um coração
arrependido, envergonhado e quebrantado, pronto para o perdão e a restauração
(Lc 22. 61-62). Jamais tiremos nossos olhos de Jesus e a sua luz nunca nos abandonará.
A Igreja católica Romana comemora
em seu calendário litúrgico no dia de hoje a festa de todos os santos. Esta é
uma data interessante para a Igreja Reformada. Martinho Lutero aproveitou o
Ofício de Vésperas desta festa para afixar as suas noventa e cinco teses,
seguro evidentemente, que no dia seguinte haveria grande afluxo de pessoas para
a missa e assim seu manifesto teria grande publicidade. Todavia, é sempre uma
oportunidade, também para nós cristãos evangélicos do século 21, aproveitar a
data para aprofundarmos a nossa distinção em relação aos católicos. Hoje,
evidentemente, sem qualquer tipo de ataque ou preconceito, apenas para que nós
mesmos tenhamos muito claro em nossa mente quais os nossos distintivos
teológicos. Para os católicos romanos a proclamação oficial da
santidade de um de seus membros tem um longo, burocrático e oneroso caminho a
percorrer. Muitas provas e contra provas precisam ser levantadas num processo
muito rigoroso. Testemunhos são colhidos, se o santo ou santa em causa escreveu
ou ensinou alguma doutrina, seus escritos são submetidos à rigorosa
investigação para ver se nenhuma distorção ou heresia é encontrada. No caso de
milagres de curas depois de decorrido um tempo, peritos nas mais variadas áreas
das ciências médicas são consultados para se constatar se ali há uma suspensão
da ordem natural e uma intervenção sobrenatural. Claro que os cientistas apenas
tentam provar que não há explicação científica possível para o fenômeno. A
constatação de milagre cabe á autoridade
O culto divino, para nós, cristãos evangélicos, é a
fonte e o ápice da vida cristã. Na verdade, o culto que prestamos a Deus é
exatamente o ponto desde o qual nós entendemos a vida e a história.
Todas as coisas são compreendidas por nós dentro do esquema
Criação-Queda-Providência-Redenção. Isto quer dizer que nós cultuamos um Deus
soberano que tem o absoluto controle sobre todas as coisas e todas as causas.
Que da Criação por Ele realizada, à Queda, isto é, a entrada do pecado e da
morte no mundo, por Ele permitida em seus decretos secretos, aos meios pelos
quais ela administra a sua Graça, geral e especial, para o sustento do universo
inteiro, até chegar à Redenção dos eleitos e a criação dos novos céus e nova
terra, tudo está sob o invencível e indefectível governo de Deus. Esta compreensão da história sendo governada
por Deus e da recapitulação de todas as coisas em Cristo não nos isenta de
nossa responsabilidade moral e nem de nossa ativa participação na história.
Antes, pelo contrário, porque participamos da vida em Deus pelo batismo,
participamos também de sua atividade no mundo refletindo o seu caráter santo,
justo e amoroso. Logo, a reta celebração dos louvores de Deus e de seus grandes
feitos nos compromete a viver como quem o tem assentado no trono presidindo e
governando todas as coisas e sob quem estamos a serviço. Cultuá-lo significa proclamar o
seu Reinado no mundo e a reivindicação que Ele faz de todas as coisas para o
seu Reino de justiça, paz, vida e amor. Assim, onde houver violência,
corrupção, injustiça, fome, guerra, morte eaviltamento
da dignidade da pessoa humana em sua imagem como semelhança com Deus, ali mesmo
os súditos do que está sentado no Trono, são enviados em nome do seu Rei, para
combater e transformar estas realidades a partir da visão que recebem das
coisas vistas quando os céus estão abertos no culto solene. Evidentemente que
não estou falando de uma experiência mística, pelo menos não naquele sentido
fantasioso do termo. Os céus são abertos para nós quando as Escrituras são
expostas diante de nós. Temos a visão do Trono e d’Aquele que nele se assenta
quando a Palavra de Deus, única regra de fé e vida, quando a Bíblia, a única
norma não normalizada por outra, é pregada ao nosso entendimento e ao nosso
coração: “para que experimenteis qual
seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2), pois assim
sabemos que: “Lei é santa, e o Mandamento
santo, justo e bom” (Rm 7.12). É exatamente aqui que nos submetemos ao
Reinado de Deus em Cristo. É exatamente assim que conhecemos qual a sua vontade
sobre a criação e o destino último do homem. É assim que descobrimos que
enquanto a história caminha para o seu cumprimento final na consumação e
radical transformação de todas as coisas, desde já somos convocados á iluminar
esses dias, o nosso mundo, a nossa cultura, a nossa sociedade pelo esplendor da
verdade que emana de Cristo, de seu Evangelho, de sua lei Moral, de seus
benefícios alcançados pela vitória da Cruz. Não fosse o culto, o cristianismo não seria
mais que mais uma filosofia ou moralidade dentre tantas outras. Não
fosse o culto, a visão que Ele nos proporciona do que está no Trono, nossa
compreensão da realidade seria de um existencialismo romântico, porém vazio e
sem sentido como tudo o mais que não tem Deus. Não fosse a contemplação das
últimas coisas antecipadas na liturgia de cada culto, a vitória de Cristo e de
seu povo, nossos esforços nesta vida e toda a nossa história seria como a sorte
de Sízifo, personagem da mitologia grega que é condenado a uma tarefa
de grande esforço, mas absolutamente sem sentido no final das contas. Aprenda a dar sentido e coerência para a sua
vida e história, aceite este gracioso convite: “Vinde, cantemos ao Senhor com júbilo...” (Sl 95.1), porque “Reina o Senhor. Regozije-se a terra...”
(Sl 97.1).
O ponto mais alto de uma reunião de adoração em uma
igreja genuinamente evangélica é a pregação da Palavra. Podemos afirmar com toda a
convicção possível que um culto evangélico é um culto da Palavra.
Infelizmente os nossos dias parecem desmentir esta afirmação. Infelizmente
parece que algumas profecias dos apóstolos se cumpriram entre nós: “Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos,
amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências” (2
Tm 4.3); “Sabendo primeiro isto, que nos
últimos dias virão escarnecedores, andando segundo as suas próprias
concupiscências” ( 2 Pe 3.3). E, o resultado inevitável de quando a pura
Palavra de Deus não é nem desejada e nem pregada, é que o culto se torna um
palco para todo tipo de excentricidades. Há mesmo até pessoas bem intencionadas
que desejando um culto mais palatável, concedem a maior parte do tempo
disponível para corais, solistas, grupos de louvores, danças, coreografias,
filminhos motivacionais e etc. O tempo restante fica por conta de uma leitura e
de uma exposição breve, sem profundidade e controlada exatamente pela
expectativa do que veio antes, entreter os expectadores. Nos casos mais graves,
tudo o que há na reunião de oração são testemunhos, expulsão de demônios, maus
espíritos e infindáveis testemunhos de curas, milagres e vitórias, sobremaneira
na vida financeira. Infelizmente a saturação destas coisas na grande mídia
provoca pelo menos duas reações difíceis de aceitar. Na primeira delas muitos
cristãos sérios e não poucos líderes sentem-se tentados porque veem o
crescimento destas tais comunidades, ou pelo menos, o aparente sucesso destes
‘impérios’ ministeriais e os invejam e imitam. A segunda reação é aquela que
leva ‘os de fora’ a nos igualar a todos.
Por isso, muitos têm resistência em fazer-nos uma visita, outros têm até medo
de serem submetidos a qualquer um desses excêntricos expedientes citados até
aqui. Todavia, num culto genuinamente evangélico e umbilicalmente ligado à
tradição Reformada, a leitura e a exposição da Palavra têm a primazia, como diz
o pastor e teólogo alemão Dietrich Bonhoenffer: “Nosso louvor e orações precisam estar de acordo com as Escrituras, e,
acima de tudo, a Palavra pregada tem de servir ao propósito de agradar a Deus,
porque o sermão é o aspecto mais importante da adoração, visto que por
intermédio dele o Criador do universo fala a seres insignificantes”. Em nosso culto a Palavra de Deus recebe tanta
ênfase porque entendemos que onde ela não é pregada a verdade não pode
prevalecer. Onde a palavra não é exposta Cristo não pode prevalecer e fora de
Cristo nada existe senão ídolos. Onde a palavra de Deus não é pregada
com fidelidade, integridade e corretamente pelo ministro, não há poder
sobrenatural que de fato venha da parte de Deus. Tudo o que há são ilusões e
sugestões vindas da carne ou do maligno. Somente a palavra de Deus produz fé
(Rm 10.17), santificação (Jo 17.17) e comunhão real com Deus (Jo 8.31; Jo
15.7). Uma boa leitura para descobrirmos quais os efeitos nefastos de uma
religião, de um culto intentado a ser prestado a Deus, mas que rejeita ou
negligencia a escuta atenta da palavra de Deus é o livro de Amós. Este profeta
menor aponta com o seu dedo em riste os grassos pecados de Israel num tempo de
muito fervor religioso. Os santuários e o templo estavam abarrotados de
pessoas. Muitas peregrinações a lugares sagrados. Muitos ritos e cerimônias.
Contudo os pregadores eram proibidos de falar. Os profetas não podiam entregar
a mensagem (Am 5.10). O que aconteceu com este povo dado a milagres e
cerimônias, mas que não ouvia a Palavra? Imoralidade sexual degradante (Am
2.7); Juízes corruptos (Am 2.6-7; 5.12); Opressão (Am 3.9; 4.1; 8.4-6;
5.11-12); Exploração do pobre (Am 5.11-12); Insensibilidade para com os
sofredores ( Am 6.6); Não suportavam a verdade (Am 5.10). Estamos em grande
perigo quando qualquer outra coisa ocupa o lugar mais alto, a posição mais
elevada ou é mais desejada que a Palavra de Deus lida e exposta em nossas
assembleias litúrgicas. Ouçamos o gentil convite de Amós: “Buscai o Senhor e viverei” (Am 5.6). Busquemos o Senhor em sua
Palavra quando a igreja estiver reunida, pois é aí que o Espírito fala (Ap
2.29).
Uma das coisas que mais ouvimos quando uma pessoa nos
visita aos domingos é: “Nossa, como o
culto de vocês é diferente. Diferente do que eu esperava. Diferente de tudo que
já vi”. Confesso que não poucas vezes não sei bem o querem dizer com estas
coisas. Mas, uma coisa eu sei, quando nos reunimos como igreja o que mais
desejamos é fazer um encontro com Deus. Não é uma questão trivial pela qual nos
reunimos, é antes um encontro de pecadores e um Deus santo, entre um Rei
magnífico e seus súditos. Adoração para nós cristãos reformados não é
um tempo para “relaxar” com Jesus, participando de um grande e animado evento
social que visa a atender as nossas carências, como se fôssemos consumidores.
Em lugar disso, é o momento em que o infinito e o todo-santo Deus do universo
condescende conosco em um encontro na graça e no poder do Espírito Santo
através dos meios de graça. Por isso, de nossa parte, não se trata do que nós
desejamos fazer, não se trata de nós, a nossa adoração não pode ser conduzida
pela cultura, pela moda, pelas tendências do mercado do entretenimento que
facilmente tem se misturado e confundido com o mercado religioso. Nossa
adoração só pode ser conduzida e inspirada pelas Escrituras e a postura ideal
de nossa parte neste encontro é a reverência: “Portanto, já que estamos recebendo um Reino inabalável, sejamos
agradecidos e, assim, adoremos a Deus de modo
aceitável, com reverência e temor”
(Hb 12.28). Este encontro significa também ruptura com o mundo, ruptura moral e
espiritual, se não de outra sorte o que fazemos quando nos reunimos outra coisa
não é que um “Culto de si mesmo e de
falsa humildade” (Cl 2.23 b), isto é, um culto para nós mesmos, onde somos
o centro das atenções e tudo é feito pensado em nós. Um culto é um encontro com Deus
quando ele é saturado das Escrituras. Onde a Palavra de Deus convoca
para a adoração e ela mesma é o que temos a dizer a Deus e sobre Ele. Onde as
orações que elevamos aos céus são substanciadas pala Palavra que lemos e
recitamos, mas porque também as encerramos invocando o nome do Verbo no final
de cada súplica. Há encontro onde esta mesma Palavra denúncia o pecado alojado
em nosso coração, ordena que o confessemos e o abandonemos e nos anuncia a
certeza do perdão em Cristo. Nosso culto é um encontro com Deus quando o que
cantamos ou é a Palavra mesma de Deus ou os nossos cânticos são claramente nela
inspirados. Este encontro se torna mais real quando do púlpito o ministro
anuncia de maneira solene: “Assim fala o
Senhor” e a Palavra é proclamada e depois exposta. Nesse momento, como nas
assembleias do Antigo Testamento, como Jesus no Novo às multidões e aos seus
discípulos, renovamos solenemente a Aliança e somos introduzidos nos mistérios
do Reino dos Céus. Nosso encontro fica mais íntimo á medida que o tempo passa e
quando a Palavra se torna visível no sacramento da Ceia, agora nossos olhos vêm
o Senhor sob o véu do sacramento. Nossas mãos apalpam o verbo da vida (1Jo 1.1)
e nossa boca experimenta a doçura do céu tipificados nos alimentos
“eucaristizados”. Por que enfatizamos que o nosso culto é essencialmente um
encontro pessoal e comunitário com Deus? Porque é exatamente este encontro o único
capaz de devolver sanidade à nossa mente, serenidade a nossa alma, descanso ao
nosso coração, equilíbrio às nossas emoções e aos nossos afetos, e refazimento
de nossas forças físicas. Por isso o nosso culto deve ser diferente de tudo o
que há no mundo, diferente de tudo o que há na religião, na cultura e etc.
Porque necessitamos elevar o nosso coração para além de nós mesmos, precisamos
de um evento que seja maior que a nossa existência, precisamos de um encontro
que transcenda a nossa experiência cotidiana. E Deus sabendo disso,
providenciou o culto, prescreveu o “rito”, ordenou os elementos, e ungiu o
sacerdote para nos conduzir e servir neste encontro, o Senhor Jesus Cristo, a
quem seguimos, em quem habita a plenitude da divindade, o templo onde Deus
habita, Palavra de quem a vida eterna nos é comunicada. Nosso culto é diferente
não exatamente pelo que fazemos, mas por quem nele encontramos.
Um dos títulos mais belos para um livro que já li é: A
Santíssima Trindade é a melhor comunidade, escrito pelo ex-frade franciscano
Leonardo Boff. Conquanto se possa discordar ou desconfiar de algumas afirmações
contidas ali, eu mesmo gostaria muito de ter escrito algo com este título. De
fato, se a igreja deve refletir em sua missão e em sua natureza o caráter deste
Deus Triúno é porque Ele mesmo é o melhor modelo de vida comunitária e de
relações marcadas pelo amor, pela comunhão, pela unidade perfeitíssima na
diversidade e pela solidariedade na missão. Então, não há mesmo melhor
comunidade do que a Santíssima Trindade e a Igreja visível e em missão no mundo
deve ser seu ícone, isto é, a sua imagem. Daqui, se conclui que se alguém quer
saber como Deus é e com o que Ele se parece, como são as suas feições, de
alguma maneira misteriosa, porém real. Por uma visão embaçada, contudo,
verdadeira, deverá olhar para a comunidade dos discípulos, para a igreja
estabelecida sobre a terra que está em estado permanente de missões
participando ativamente na Missão de Deus no mundo. Uma igreja trinitária é, antes do
mais, uma comunhão de pessoas do que uma instituição. É uma comunidade
profundamente relacional e toda a sua atividade deriva desta realidade.
Assim como na Trindade onde o Pai, o Filho e o Espírito Santo vivem numa eterna
e fecunda relação de amor e comunhão, a igreja deve reproduzir em seu seio esta
vida. A vida da comunidade proclama o Evangelho ao mundo em forma de testemunho
e sinal de contradição. Em nossa cultura e sociedade marcadas pelo
egoísmo, pela brutalidade, pela desagregação e por relações utilitaristas,
descartáveis e excludentes, a igreja é convocada a viver na contramão destas
coisas. Olhando para o mistério da Trindade a igreja aprende as lições de uma
relação vivida no amor que se abre e se entrega totalmente ao outro, no amor
que é serviço em promoção da vida e participação e inclusão plena de todas as
pessoas na missão. Todos são igualmente importantes, ninguém nunca é excluído
de coisa alguma, tudo nesta relação fica subordinado ao amor que se deve
manifestar um ao outro. Olhando para a
Trindade aprendemos que há o primado do ser, da pessoa em si mesma sobre todas
as outras realidades. A pessoa do Pai é a realidade mais importante para o
Filho. A pessoa do Filho é a causa de toda alegria e prazer do Pai. Pai e Filho
desejam a presença do Espírito e este por sua vez preocupa-se com a glória de ambos.
Numa comunidade que espelha a Trindade a pessoa deve preceder a organização, a
instituição e os cargos e ofícios. A realidade existencial do outro é o bem
maior da comunidade e a sua razão de ser em missão. O irmão deve ser acolhido,
amado, valorizado, defendido em sua dignidade, protegido em suas carências e fraquezas
e nunca se ver exposto ou aviltado por causa de suas imperfeições e mazelas. Na
Trindade bendita, as pessoas recebem honra e glórias recíprocas. Na Igreja a
verdade não pode ser outra, devemos zelar pela honra e pelo bom nome de nossos
irmãos. Devemos nos rivalizar em honra-nos uns aos outros e não em
sobrepujarmo-nos uns aos outros em títulos e honrarias meramente humanos.
Olhando para a Trindade aprendemos o valor do diálogo profundo e contínuo. Pai,
Filho e Espírito Santo vivem em estado eterno de Concílio, de abertura, de
escuta, de acolhida. Em uma igreja imagem da Trindade não há lugar para
pequenos ditadores, lideranças despóticas, prevalência da vontade calcada em
quaisquer formas de poderes, quer econômicos, sociais, culturais, ou o peso da
tradição de uma família ou algo do gênero. Assim como na Trindade, todos devem
ser ouvidos. Todos tem o privilégio-dever de falar, de propor, de participar
das decisões e depois de assumi-las como suas. Na Trindade não há vencidos e
vencedores. Na trindade não há quem vença pelo “soco na mesa” ou por
falar mais alto. O diálogo trinitário é construído com base na lealdade, no
amor, na interdependência e na verdade. A igreja não pode desejar nada diferente
para fazer a diferença no mundo. Por último, sem esgotar a riqueza do assunto
por falta de espaço aqui, na Trindade tudo é feito com a mais perfeita
solidariedade. A Missão de um é a Missão de todos. Não obstante cada um tenha
tarefas muito específicas, todas as três pessoas da Trindade estão
comprometidas na Missão de cada um. A igreja tem o dever de reproduzir em sua
atividade o mesmo. Somos todos igualmente convocados, equipados e enviados, sem
exceção. Embora cada qual seja destinado a realizar uma função, nossos
ministérios são inextrincavelmente interdependentes. O Êxito de um é o êxito de
todos. A dificuldade de um é um desafio para todos. Que a Trindade seja o nosso
modelo. Que a nossa igreja seja uma imagem da Trindade.