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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

TEXTOS

CALVINO VIVE NO QUINTO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO REFORMADOR FRANCÊS, SUA DOUTRINA EXPERIMENTA NOVO AVANÇO.

Por Yuri Nikolai

Quinhentos anos depois do nascimento do reformador João Calvino, suas ideias estão ganhando nova força. Combatido e contestado dentro e fora do segmento cristão ao longo de sua história, o calvinismo firmou-se como corrente doutrinária e chega ao século 21 revigorado, influenciando milhões de pessoas, grandes grupos religiosos e até mesmo o mundo corporativo. Recentemente, a revista americana Time listou em sua edição eletrônica as dez ideias que mais estão mudando o mundo neste exato momento. E o calvinismo está lá, em terceiro lugar, apontado pela revista como uma “base segura” para a vida devido à crença irrestrita na soberania de Deus sobre todas as coisas. A concepção segundo a qual o Todo-poderoso está interessado e atuante nos mínimos detalhes da existência humana pode parecer uma revolução na sociedade pós-moderna, mas o moderno calvinismo surge como resposta a anseios não supridos por anos e anos de liberalismo.
Líderes contemporâneos como John Piper, Paul Washer e Mark Driscoll, e seus respectivos ministérios, são exemplos desse movimento, conservador em suas doutrinas mas impactante em seus efeitos. Com uma roupagem moderna, a corrente vem conquistando cada vez mais adeptos, especialmente entre os jovens, e sobretudo nos Estados Unidos. “O novo calvinismo citado pela Time é um movimento que demonstra abertura para novas formas litúrgicas, ao mesmo tempo em que mantém o formalismo das doutrinas historicamente reformadas”, diz o pastor Leandro Antonio de Lima, da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, em São Paulo, e professor de teologia sistemática. “É basicamente um resgate da mensagem do reformador João Calvino.”
As igrejas que se autodenominam calvinistas geralmente possuem características bem tradicionais: liturgia formal, um forte apelo intelectual em seus ensinamentos e, em muitos casos, pelo menos no Brasil, muito espaço nos bancos. Um dos problemas desse aspecto tradicionalista que a corrente teológica sempre apresentou é a falta de uma linguagem popular. O calvinismo já foi acusado diversas vezes de ser uma espécie de Evangelho de pessoas cultas, embora muitas doutrinas que se atribuem a Calvino não sejam de sua autoria (ver quadro). Isso e suas doutrinas polêmicas – sobretudo a de predestinação, calcanhar-de-aquiles que provoca constante cizânia entre os evangélicos e segundo a qual Deus já resolveu quem seria ou não salvo, independentemente de qualquer ação humana – geraram um sectarismo em torno do movimento, que parece estar sendo superado agora. Os novos ministros calvinistas estão mais atentos às necessidades do povo cristão, o que os torna populares. “A teologia de Piper pode ser resumida como um ‘hedonismo cristão’, que é a teoria de que o ser humano é mais feliz quanto mais prazer ele sentir em Deus”, sintetiza Leandro.
No quesito popularidade, ninguém ganha do “brigão”, como se referiu a Time, Mark Driscoll. “Um amigo assistiu uma pregação dele e ficou muito entusiasmado com o que ouviu”, afirma o professor de teologia Franklin Ferreira, autor dos livros Agostinho de A a Z e Gigantes da fé, lançados pela Editora Vida. Driscoll pode subir ao púlpito vestindo uma blusa de malha com a estampa do Mickey Mouse e usar palavras arrogantes em suas mensagens, mas sua doutrina é bíblica, séria e reformada. “Driscoll define sua igreja como teologicamente conservadora – ou seja, calvinista – e culturalmente aberta”, continua Franklin. Tal estilo pode assustar um pouco os calvinistas tradicionais, mas é essa abordagem que vem arrebanhando multidões para Cristo. Franklin sai em defesa de Mark Driscoll, dirigente da Mars Hill Church, em Seattle. “Devemos levar em conta que ele plantou uma congregação forte numa localidade conhecida como cemitério de igrejas. Até a mídia local está espantada com ele. Convém lembrar que ele é muito respeitado por gente importante da comunidade reformada americana, como Piper.”
“Porto seguro” – O francês João Calvino nasceu em 10 de julho de 1609 em Noyon. Contemporâneo de Martinho Lutero e influenciado por suas ideias, em 1533 Calvino rompe com a Igreja e adere de vez à Reforma. Expulso da França após apresentar sua obra As institutas da religião cristã, sua vontade era viver uma vida pacata como um literato reformado. Todavia, o que considerou o chamado de Deus em sua vida veio em Genebra, cidade suíça onde o teólogo se radicou e de onde o movimento calvinista acabaria se espalhando pelo mundo. Genebra teve seu caminho preparado por Zwinglio, que já havia disseminado as doutrinas luteranas na Suíça, e contou com a colaboração Guilherme Farel, seu grande companheiro em Genebra.
O rastilho de pólvora da nova doutrina fundamentada na soberania absoluta de Deus e na salvação pela graça divina não demoraria a se alastrar pelas nações da época. Teólogos desenvolveram movimentos reformistas na França, nas Ilhas Britânicas, na Holanda e em outras partes do mundo. John Knox, por exemplo, teve um papel fundamental na implantação do calvinismo na Escócia, após ter sido discípulo do reformador francês enquanto esteve em Genebra. Assim, com os ensinamentos de Calvino e a atuação de outros religiosos, desenvolveu-se o que logo passou a ser chamado de calvinismo. É importante ressaltar que o próprio teólogo dizia que tais pensamentos não eram seus, propriamente ditos. Eles teriam vindo de longe, muito longe – primeiro de Agostinho, que por sua vez dizia que sua doutrina provinha de Paulo.
A doutrina calvinista sempre provocou polêmicas ao longo da sua história. Paradoxalmente, suas afirmações não atingem apenas os dogmas católicos, como foi em seu início, mas também muitas supostas verdades construídas pelo próprio protestantismo, e casos de conflitos com outros grupos cristãos não são raros. Como movimento, o calvinismo não está atrelado a apenas uma denominação, nas espalhado por várias confissões diferentes, sobretudo as igrejas reformadas nacionais surgidas ao longo do século 17. Mas seu principal expoente é, sem dúvida, a Igreja Presbiteriana, que possui seu modelo de administração semelhante ao que Calvino implantou em Genebra: a descentralização do poder, onde a direção não se concentra nas mãos do pastor, mas de um colegiado de presbíteros.
A diferença desse novo calvinismo parece estar mais focada no âmbito litúrgico do que doutrinário. Apesar de os novos ícones calvinistas não utilizarem os meios de comunicação de forma tão intensa quanto outros famosos pastores do evangelicalismo americano, os cultos, a linguagem e o relacionamento dos atuais calvinistas com outros cristãos mudaram. “O velho calvinismo era temeroso e desconfiado dos outros cristãos, queimando pontes. Essa nova corrente faz o contrário”, afirma Mark Driscoll em seu blog. Outra questão que surgiu com esse fortalecimento da doutrina de Calvino é a da contemporaneidade dos dons espirituais. Muitas igrejas calvinistas de hoje acreditam na legitimidade da manifestação desses dons nos dias atuais, o que pareceria heresia para as gerações anteriores.
“Não deveria ser surpresa para nós que o calvinismo tem potencial para transformar o mundo”, insiste o pastor Leandro. “Muito antes da Time chegar a essa conclusão, o teólogo e estadista holandês Abraham Kuyper já havia previsto isso.” Kuyper, que foi primeiro-ministro de seu país no início do século 20, defendeu que o calvinismo tinha uma agenda para o futuro. “Ele disse que a doutrina poderia ser a solução para os dilemas da modernidade.” No entender do pastor, a cosmovisão reformada é um porto seguro para os “barquinhos” que navegam nas águas tempestuosas desse mundo. Coisa que Calvino, que enfrentou as agruras da Contra-Reforma mas manteve sua fé até morrer, em 1564, sabia muito bem.




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