A Caminho da Páscoa
“Eram apenas
prescrições que tratavam de comida e bebida e de várias cerimônias de
purificação com água; essas ordenanças exteriores foram impostas até o tempo da
nova ordem. Quando Cristo veio como sumo sacerdote dos benefícios agora
presentes, ele adentrou o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito pelo
homem, isto é, não pertencente a esta criação” (Hb 9.10,11).
Iniciamos uma nova estação litúrgica desde a
quarta-feira de cinzas. Iniciamos o tempo em preparação para a celebração da
Páscoa no calendário cristão. Todavia, essa estação não tem muito crédito entre
nós protestantes e por muitas razões, às vezes nem sempre coerentes. Certamente
o grande problema esteja na ênfase demasiada nas obras e nos méritos humanos
que a penitência da Igreja Romana atribuiu a esses dias de preparação, como
algo que o crente devesse fazer para assegurar-se de sua salvação. Também os
exageros da piedade do catolicismo popular que atribuiu a esses dias
superstições de toda monta, desde o não poder cortar a barba, comer certos
alimentos ou alegrar-se com danças e festas. Também uma certa dose de
ignorância e zelo cego por parte dos protestantes contribuiu para uma deformada
compreensão desta estação litúrgica. Todavia, desde os tempos mais antigos da
igreja, quando aparecem os dias chamados de quaresma, esse tempo litúrgico
estava ligado com a pedagogia pastoral da Igreja e com a sua didascalia, isto
é, com o seu ensino formal na preparação dos novos convertidos para os
sacramentos da iniciação cristã. Durante o período de quarenta dias que
antecediam as comemorações pascais, os catecúmenos eram submetidos à catequese
de introdução aos significados morais e espirituais dos sacramentos e da vida
pactual na comunidade dos salvos, a igreja de Cristo. Durante esse período,
além das ministrações, havia muitos exames para a averiguação da sinceridade e
maturidade da fé dos catecúmenos, bem como a celebração de muitos ritos
preciosos que se perderam com o passar dos séculos e o enfraquecimento do
catecumenato como instituição eclesiástica e escola da fé. Dentre os ritos
celebrados estavam
entre outros, com certeza, o lava-pés como um sacramental que dramatizava a
natureza serviçal e o amor sacrificial da vida cristã, a “Traditio Symboli”, que nada mais era do que a entrega do Credo
Apostólico em forma de catequeses e da exigência do testemunho público da fé,
naqueles dias, um ato temerário e heroico em face das muitas perseguições. A
cada domingo dentro desses quarenta dias, a igreja se recolhia em uma espécie
de grande retiro espiritual, para junto com os catecúmenos, renovar comunitária
e publicamente a sua fé. Enquanto os novos convertidos eram preparados
para a nova vida em Cristo e na Igreja, os crentes eram levados por meio de
outras instruções e práticas de piedade a encetarem um tempo forte de
santificação pessoal, na moderação da vida para um período de maior dedicação à
vida interior. Isto era obtido, por exemplo, com a abstenção do sono para
incrementar a vida de oração em vigílias particulares, na prática pessoal e
comunitária do jejum e confissão de pecados, desejosos de purificação e aumento
das virtudes espirituais e morais. E claro, na dedicação maior de leitura das
Escrituras ou dos mestres e doutores versados em doutrina e vida espiritual que
tivessem à mão como preciosos auxílios para o crescimento na Graça e no
Conhecimento do Senhor. A Igreja Reformada de maneira quase geral não soube
integrar a prática e a utilidade pastoral desse tempo litúrgico em sua tarefa
de renovação do culto, da teologia e piedade da igreja. Como disse no início,
talvez por um zelo cego ou por uma necessidade em face de tamanha corrupção da
igreja em seus dias. Todavia, com o passar do tempo, com a pacificação e a consolidação
da obra da Reforma, muitos setores da igreja evangélica redescobriram a
pedagogia por trás do calendário cristão e sua utilidade, quando usado com
sabedoria e sobriedade, para o itinerário espiritual e a formação intelectual
dos crentes. Nessa redescoberta, muitos têm se interessado pela preparação
litúrgica quanto à celebração da páscoa do cordeiro de Deus. Assim, esta
estação litúrgica que a tradição chama de quaresma, pode ser um pretexto útil para
que nos domingos que antecedem a festa da Ressurreição, a igreja possa e deva
visitar o Antigo Testamento em suas cerimônias, leis, utensílios e pessoas que
tipificavam a Cristo. Um expediente análogo aos domingos do Advento
quando olhamos para as profecias do Antigo Testamento e nos certificamos de que
as promessas foram cumpridas na encarnação do Verbo. Agora, olhando para a
primeira dispensação, tomamos ciência de que o servo sofredor, os sacrifícios,
os ofícios realizados pelo sacerdócio e etc. encontram seu sentido real, sua
plena eficácia, sendo ao mesmo tempo aceitos e substituídos pelo “Tudo está Consumado” da Cruz de Cristo,
único e definitivo sacrifício de reconciliação e satisfação aceito pelo
Pai. Além disso, aproveitamos esse
tempo, para dar novo incremento à nossa piedade e novo ardor ao nosso
testemunho do ressuscitado no mundo. Com os olhos na cruz, caminhemos para a
Páscoa.
Reverendo Luiz Fernando
É Ministro na Igreja
Presbiteriana Central de Itapira
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