Rotina
“Não se tornem
negligentes, mas imitem aqueles que, por meio da fé e da paciência, recebem a
herança prometida” (Hb 6.12)
Muita gente tem verdadeira paranoia com relação à
rotina. Muitos até mesmo não se sentem vivos, valorizados e chegam a
comprometer a autoestima devido à sensação de impotência, mesmice e absurdidade
de todos os dias fazer sempre tudo igual. Pessoas assim não vêm a hora chegar
no calendário grandes dias, grandes festas, programas e passeios especiais,
para logo frustrar-se, tomar um choque de realidade e voltar à cruel e
impiedosa rotina. Mas, por mais incrível que pareça a rotina pode e deve ser uma bênção,
um lugar de construção da personalidade, da solidificação do caráter, do
treinamento das virtudes, como a paciência, longanimidade, tolerância e etc.
Não há lugar para melhor se aprofundar a intimidade com Deus, a comunhão com
Cristo, a abertura ao Espírito Santo do que uma vida de rotina saudável e
agradecida. Não há melhor lugar para se crescer nas disciplinas espirituais, de
maneira especial a oração, a leitura da Bíblia, a meditação e contemplação do
que uma agenda sem sobressaltos constantes. Na verdade, a rotina é uma
espécie de campo de treinamento para os grandes eventos da vida. Faça
uma comparação com os jogos olímpicos que serão celebrados este ano no Brasil.
Serão momentos grandiosos para todos os atletas, quer para os que chegarem ao
lugar mais alto no pódio quer para aqueles que não hão de passar das etapas
classificatórias. Suas carreiras jamais serão as mesmas e quando a rotina
voltar terão boas e inesquecíveis histórias para contar. Mas, para que pudessem
chegar aos dias dos jogos olímpicos, horas, dias, semanas, meses e anos foram dedicados
a treinos, movimentos repetidos a perder de vista, numa severa rotina. Na
verdade, para aproveitarmos melhor os grandes eventos da vida é preciso
dedicação completa à rotina. Se comêssemos cardápios sofisticados todos
os dias, com pratos refinadíssimos, nas ocasiões festivas em que fossem
servidos jamais seríamos surpreendidos pelo gosto do inaudito, do fora de
série. Trazendo de novo a nossa conversa para o campo da espiritualidade o
próprio Senhor Jesus nos encorajou à rotina: “Mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo”. (Mt 24.13)
e o autor de Hebreus vai na mesma linha: “Vocês
precisam perseverar, de modo que, quando tiverem feito a vontade de Deus,
recebam o que ele prometeu” (Hb 10:36), palavras como ‘perseverança’ e
‘paciência’ são importantes para a compreensão do que a rotina exige. Há outras
indicações na Bíblia que requerem de nós esta dedicação ao mesmo de todo dia: “Afaste-se do mal e faça o bem; busque a paz
com perseverança” (1 Pe 3.11); “É
perseverando que vocês obterão a vida” (Lc 21.19), sem escapismos, sem
maquiar a realidade e sem desejar viver num conto de fadas. Qual é então o
resultado de uma vida comprometida com o dia a dia?: “E a perseverança deve ter ação
completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa
alguma” (Tg 1.4). Uma vida comprometida a fazer de maneira
extraordinária o que é rotineiro e ordinário produz maturidade. Maturidade
espiritual, aquela de não se desejar apenas experiências, mas profundidade e
conhecimento, compromisso com Deus. Maturidade emocional, a capacidade de
suportar os reveses, conviver com as perdas, integrar os sofrimentos, trabalhar
com serenidade nas adversidades e usar a crítica e a correção em favor de seu
aperfeiçoamento. Maturidade afetiva, estabelecer relações saudáveis,
comprometidas com o bem-estar de todos os implicados, sem criar falas
dependências e nem fazer outros de reféns psicológicos. Maturidade e saúde
financeira, inclusive. Sem desperdícios e gastanças desnecessárias, a rotina nos dá tempo para poupar e
investir com lucidez. A rotina nos dá o benefício do tempo para alcançar o
discernimento. A rotina nos ajuda na construção de nossa integridade, nos ajuda
a ser mais responsáveis e nos torna pessoas de confiança. A rotina pode e deve ensinar-nos
a entesourar experiências e sabedoria para tempos extraordinários, sobremodo de
crises e infortúnios. Mas, administrar alegrias e a novidade do sucesso
também é uma tarefa que exige certa rotina. Escrevo esta pastoral porque a vida
começa voltar ao normal depois das festas de fim de ano. Apesar das férias
escolares, a casa começa a ficar “vazia” novamente. Os parentes se foram. As
contas começam a chegar. O recesso acabou e é hora de voltar para vida.
Abençoada rotina que nos lembra quem nós somos e não nos deixa esquecer de quem
de fato cuida de nós!
Reverendo Luiz Fernando
Ministro Presbiteriano em Itapira
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