Espiritualidade Missionária
“...e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na
carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si
mesmo por mim” (Gl 2.20).
É bem verdade que todos os
cristãos indistintamente são chamados a participar da Missão de Deus no mundo.
Todos devem assumir com responsabilidade seu lugar na igreja e no Reino como
testemunhas de Cristo e de seu Evangelho. Todavia, a atividade missionária
específica carece de uma espiritualidade que seja mais nitidamente cruciforme e
mais evidentemente pneumatológica
. O viver cruciforme é um viver interior
capaz de suportar e integrar na própria vida o sofrimento de Cristo e o seu
morrer em muitas formas de incompreensão, perseguição, privação, sentimento de
impotência deixando-se conduzir docilmente pelo Espírito sem jamais
desesperar-se (2 Co 4.7-15). Este viver cruciforme nos conduz a um
estilo de vida que busca com insistência os essenciais da fé, não nos deixando
prender ou escravizar pela cultura do supérfluo que cria em nosso coração
falsas necessidades. Uma espiritualidade guiada pelo Espírito Santo deve
plasmar interiormente em nós a semelhança de Cristo.
Não se pode testemunhar de Cristo
sem espelhar sua imagem e esta imagem é formada em nós na medida em que
cooperamos com o ministério do Espírito Santo em nossa alma pelo cultivo de uma
vida piedosamente centrada na Palavra, na oração, nos sacramentos e na adoração
comunitária. Na espiritualidade missionária, duas outras notas do viver
em Cristo devem ser aprofundadas por aqueles que decidem dar uma resposta ao
clamor dos povos. A primeira delas é a imitação da “
Kênosis”, isto é, da humilhação de Cristo à forma de servo
obediente.
Não há missão autenticamente
cristã sem que o agente da missão não abra mão de qualquer uma de suas
pretensões de superioridade, quer cultural, financeira, religiosa ou
educacional. Sem esta renúncia voluntária a distância entre o
missionário e a cultura a quem deve servir será insuperável. A segunda nota
deste ‘
viver em Cristo’ é a dimensão
“
encarnacional” da vocação
missionária. Não basta uma simples aproximação ou uma acomodação superficial
. O
missionário precisa encarnar psicológica, afetiva e intelectualmente a cultura
que deseja servir a ponto de amá-la como sendo sua. Deve fazê-lo de tal
maneira que não passe a ideia de caricatura ou falsa imitação, mas que assume
como sua a escala de valores, visão de mundo e códigos sociais quando não
radicalmente incompatíveis com o Evangelho. Naquilo que a cultura possuir de
decaída e má, porque não tocada pela Graça redentora de Cristo, é preciso uma
vida autenticamente cristã e a demonstração de uma compaixão verdadeira que
provoque o desejo de abandono daquilo que avilta a dignidade do homem e ofende
a Deus em troca do Evangelho de Cristo capaz de recapitular a cultura e ‘
ressignificar’ seus símbolos e códigos
enchendo-os de real beleza e plena verdade. Esta atitude encarnacional deve
acompanhar toda a atividade missionária para que uma cultura que venha a Cristo
não desapareça pura e simplesmente, mas para que se cumpram as Escrituras: “
Para que se conheça na terra o teu caminho,
e entre todas as nações a tua salvação. Louvem-te a ti, ó Deus, os povos;
louvem-te os povos todos. Alegrem-se e regozijem-se as nações, pois julgarás os
povos com equidade, e governarás as nações sobre a terra. Louvem-te a ti, ó
Deus, os povos; louvem-te os povos todos” (Sl 67.2-5). Os povos e as
nações, cada em deles com sua língua, em seu contexto geográfico, segundo a sua
etnia, a partir de sua cultura, e dentro de suas tradições, reconhecerão as
bênçãos de Deus, nelas e por Ele se encherão de alegria e se submeterão ao seu
Reinado de paz, justiça e prosperidade eternas. Não só a nossa mensagem é
importante e não só as palavras que dizemos são relevantes. Nosso agir, nossos
sentimentos na diversidade cultural, nosso comportamento marcado pela
humildade, pelo serviço, pela compaixão, pela autenticidade cristã na assunção
da cultura, são marcas do diferencial de Cristo presente em nós. Se nossa
espiritualidade não levar á visão de Jesus Cristo em nós, nossas palavras nunca
serão percebidas como palavras de Jesus Cristo, aquele que tem palavras de vida
eterna para as nações e povos da terra.
Rev. Luiz Fernando
É Ministro da
Igreja Presbiteriana do Brasil em Itapira