LITURGIA DO CULTO
30 DE AGOSTO DE 2015.
É bem verdade que todos os
cristãos indistintamente são chamados a participar da Missão de Deus no mundo.
Todos devem assumir com responsabilidade seu lugar na igreja e no Reino como
testemunhas de Cristo e de seu Evangelho. Todavia, a atividade missionária
específica carece de uma espiritualidade que seja mais nitidamente cruciforme e
mais evidentemente pneumatológica. O viver cruciforme é um viver interior
capaz de suportar e integrar na própria vida o sofrimento de Cristo e o seu
morrer em muitas formas de incompreensão, perseguição, privação, sentimento de
impotência deixando-se conduzir docilmente pelo Espírito sem jamais
desesperar-se (2 Co 4.7-15). Este viver cruciforme nos conduz a um
estilo de vida que busca com insistência os essenciais da fé, não nos deixando
prender ou escravizar pela cultura do supérfluo que cria em nosso coração
falsas necessidades. Uma espiritualidade guiada pelo Espírito Santo deve
plasmar interiormente em nós a semelhança de Cristo. Não se pode testemunhar de Cristo
sem espelhar sua imagem e esta imagem é formada em nós na medida em que
cooperamos com o ministério do Espírito Santo em nossa alma pelo cultivo de uma
vida piedosamente centrada na Palavra, na oração, nos sacramentos e na adoração
comunitária. Na espiritualidade missionária, duas outras notas do viver
em Cristo devem ser aprofundadas por aqueles que decidem dar uma resposta ao
clamor dos povos. A primeira delas é a imitação da “Kênosis”, isto é, da humilhação de Cristo à forma de servo
obediente.
As missões só podem ser compreendidas sob a ótica da
cruz e de todos os acontecimentos implicados no calvário. A narrativa da cruz
não é outra coisa do que uma releitura do êxodo, daquela libertação operada por
Deus em favor do seu povo. Não só uma releitura, mas também o
verdadeiro significado que os eventos do êxodo tipificaram. Lógico, de
fato e de verdade Israel estava sob o domínio cruel dos egípcios e era
explorado com trabalho escravo para a construção das grandes cidades
alfandegárias de Píton e Ramsés e outras colossais edificações da arrojada
arquitetura egípcia. Também são fatos históricos as pragas, a expulsão do
Egito, a perseguição do faraó e a travessia do mar vermelho. Contudo,
estes mesmos eventos foram conservados em formas narrativas que não só
apontavam para Cristo e sua obra, mas também exigiam sua completude em Cristo a
fim de que o seu significado transcendesse aqueles eventos, para que não
ficassem reduzidos ao seu contexto político-econômico como mais uma luta de
classes, mais uma revolução humana e etc. É em Cristo, é na cruz que o
êxodo se torna pleno de sentido e de alcance. A cruz é o momento supremo da
redenção, da vitória de Deus sobre tudo quanto se opõe a Ele e escraviza a sua
criação. Trata-se, pois, da libertação mais profunda sentida pelo homem: “Ele, nos tirou do domínio das trevas e nos
transportou para o reino de seu Filho amado, em quem temos a redenção, isto é,
o perdão dos pecados” (Cl 1. 13-14). Nas palavras de Chis Wriht esta é a implicação: “Isso envolve a derrota de todos os poderes opressores e a reversão de
todas as dimensões da escravidão que aflige as pessoas.
Isso leva o seu povo a ‘livrar-se’ do problema e o conduz a um novo
relacionamento com Deus. Esse novo
relacionamento requeruma resposta prática de viver de
forma redentora na missão para Deus no mundo”. É aqui que encontramos a
relação entre a cruz e as missões. O que aconteceu no êxodo e de maneira
especialíssima o que aconteceu na cruz, são antes de qualquer outra coisa modelos
comportamentais para a igreja. Grande parte da missão da igreja como povo
redimido de Deus é refletir o caráter de seu Redentor na forma como devem se
comportar com os outros. Isto significa que a totalidade de nossa
experiência de redenção, como o perdão dos nossos pecados, a habilidade para
amar dada por Deus, a experiência da Graça e da generosidade do Senhor em
prover em nossas necessidades e etc., devem fluir como um viver missional em
nossa vida. Veja algumas citações do Novo Testamento sobre isso: 1.
‘Sede misericordiosos, como vosso Pai é
misericordioso’ (Lc 6.36); 2. ‘O meu mandamento é este: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos
amei’ (Jo 15.2); 3. ‘Sede bondosos e tende compaixão uns para com os outros, sede benignos,
perdoando-vos uns aos outros, assim como Deus vos perdoou em Cristo’ (Ef
4.32); 4. ‘Portanto, assim como
tendes abundado em tudo [...], vede que também transbordeis nessa expressão de
bondade [...] Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo
rico, tornou-se pobre por vossa causa, para que fôsseis enriquecidos por sua
pobreza’ (2 Co 8.7-9). Observe que há um padrão aqui e esse padrão
pode ser verificado na cruz onde Deus em Cristo exerceu misericórdia, amor,
bondade, compaixão e abundância de graça sobre a nossa vida, e ser missional, é
reproduzir essas mesmas coisas por gratidão e por obediência. Primeiro
por gratidão e depois, seguida de perto pela obediência. Por isso mesmo é vital
que mantenhamos a cruz no centro de cada dimensão da missão na qual estamos
envolvidos, porque em todas as formas de missão cristã, em nome de Cristo,
estamos enfrentando os poderes do maligno e o reino de Satanás, com todos os
seus efeitos sinistros sobre a vida humana e sobre a criação. E, não há outra
maneira de sermos vitoriosos do que aplicarmos também em nossa vida e missão
esta teologia da cruz, seus efeitos, seu significado e suas exigências éticas.
Não há vida cristã vitoriosa, não há autoridade para as missões se a cruz não
estiver no centro da nossa existência recordando-nos o que Deus em Cristo já
fez, fortalecendo-nos para responder à Graça com graciosa obediência e
consolando-nos e animando-nos na esperança de que a vitória já está garantida.
O Brasil vive um momento muito delicado de sua
história. Há uma avalanche de denúncias, investigações, processos e prisões
envolvendo altos executivos de empresas multinacionais, políticos de grande
expressão e contraventores de toda sorte. Todos, flagrados, numa mesma
situação: corrupção. Corrupção aqui traduzida no abandono radical
da Ética. Dentre esses supracitados há quem diga que sem propina, sem
um “pixuléco” não é possível fazer girar a roda da economia, do desenvolvimento
e da governança no Brasil. O próprio ex-presidente Lula teria confessado ao seu
colega José Mujica, do Uruguai, que sem corrupção não há como governar. Ou
seja, é a lógica de que o ‘trabalho precisa ser feito’ e pronto, custe o que
custar. Descendo para exemplos mais simplórios, ninguém se pergunta que tipo de
pessoa é o seu carteiro. Qual a idoneidade do sujeito que entrega o jornal
todas as manhãs. Desde que a correspondência chegue e o jornal amanheça na
minha garagem, o que me importa se na noite passada o carteiro traiu a sua
esposa ou o jornaleiro fumou um baseado? Todavia, com a igreja a coisa deve ser
bem diferente. A nossa identidade funcional não se reduz ao que temos que fazer.
Deus não tem tanto interesse em
fazer-nos meros entregadores de sua mensagem ao mundo e depois disso pouco
importa como tocamos a nossa vida. Absolutamente. Nossa missão não é apenas
para apresentar ‘Boas Novas’ para que sejam cridas, mas também para que sejam
obedecidas. Isso não acontecerá até que nos tornemos também ‘Boas Novas’ para
as pessoas e para as nações. Claro está que Deus preocupa-se com que tipo de
pessoas deve realizar a sua missão. Aqui entra em cena a Ética em Missões. Há
um trabalho a ser feito, há também metas para seremalcançadas,
existem prazos a serem cumpridos e os números devem ser apresentados no final.
Mas, tudo
deve ser feito sem o sacrifício da Ética no altar dos resultados. A
Igreja que deve proclamar a transformação que o Evangelho opera deve também em
certa medida, apresentar sinais e evidências desta mesma transformação em si
mesma, em seus filhos. O evento do Êxodo no Antigo Testamento é a chave bíblica
para se compreender a Missão de Deus e as Missões da Igreja em termos de
redenção e Ética. Quando lemos os relatos do Livro do Êxodo, a partir do
capítulo 3.7, encontramos um Deus comprometido com a totalidade existencial de
seu povo. Os atos redentivos que se seguem neste livro demonstram um Deus que
redime Israel da opressão política, econômica, cultural e religiosa. Sem terra
e sem direito a cidadania, sem autonomia política e econômica, escravizado sob
um regime cruel, perseguido e ‘vitimizado’ por uma política de purificação
étnica e de controle de natalidade e sem liberdade religiosa plena, a vida de
Israel no Egito era desumana. Deus toma partido e inicia o processo de redenção
que culminará mais tarde na posse da ‘Terra Prometida’. Uma vez redimido, junto
aos privilégios de sua Eleição, o povo de Deus recebeu seríssimas instruções
éticas para viver a sua missão no mundo fazendo e sendo o oposto de Sodoma,
Gomorra e Egito, que cada um á seu tempo e a seu modo tipificam a depravação
das nações, de povos que abandonaram a Ética e se entregaram a todos as formas
de violência, prevaricação e depravação. Não houve área que não fosse afetada,
na sexualidade desregrada e violenta, na idolatria grosseira, na opressão e
escravização de homens e mulheres, nas muitas formas de violência contra a vida
e etc. Israel por sua vez deveria lembrar-se sempre dos efeitos destes povos em
sua história. Deveria ter sempre na memória que foi um dia estrangeiro em terra
estranha e que foi maltratado. Jamais poderia esquecer que seus órfãos, viúvas
e seus pobres foram relegados e deixados à própria sorte sem quem os
defendesse. Por isso, em todas as suas relações Israel deveria proclamar o
direito, o juízo, a justiça. Deveria tratar com Ética todos os seus negócios
evitando lesar os seus compatriotas com balanças adulteradas e medidas
distorcidas. Deveria haver provisão e previsão para o amparo dos pobres, dos
órfãos e das viúvas. Os estrangeiros que quisessem viver em seu meio em paz
deveriam ser tratados com respeito, humanidade e inclusão social e às bênçãos
da Aliança. A Igreja parte deste pressuposto Bíblico. A sua missão e a sua
proclamação deve ser uma tomada efetiva e irrenunciável do lado onde injustiças
são cometidas, onde as vozes não são ouvidas e o Direito não chega. Deve assim
fazer enquanto anuncia Jesus Cristo como o Redentor e Salvador e seu Reino de Justiça, Vida e paz. A Comunidade de fé é também uma
Comunidade Ética e sua vida é parte integramente de sua missão.