PROGRAMAÇÃO UCP
DIA DAS MÃES
Igreja Simples é um conceito e um movimento muito
presente no pensamento acadêmico e missiológico nos últimos tempos. Para tentar
compreender a contento o que o conceito abrange, precisamos antes pensar o que
é uma ‘Igreja Não Simples’. Uma ‘Igreja Não Simples’ começa a complicar-se pela
noção de liderança que ela desenvolve e pratica. Igrejas que são lideradas no
estilo gerencial de uma corporação financeira, uma empresa, onde o orçamento,
as planilhas e gráficos demonstrativos sobre a captação de recursos,
planejamentos estratégicos, ocupam o centro das discussões. É uma igreja que
vive mais como uma organização do que como um organismo. Essa igreja vive da
‘numerolatria’, isto é, tudo se explica por estatísticas, balancetes e metas
alcançadas. Claro que os recursos são desejáveis e bem-vindos. Óbvio
que organização e zelo andam de mãos dadas. Todavia, a administração deve ser
uma preocupação subordinada e não coordenadora da vida eclesial. Uma ‘Igreja
Não Simples’ organiza-se em termos de eventos. Sua agenda está carregada de
coisas para se fazer, muitas vezes em forma de entretenimento e socialização. A
grande preocupação é oferecer algo que faça valer à pena as pessoas
permanecerem arroladas naquela comunidade. Assim, jantares, encontros, passeios,
atrações da subcultura cristã de gosto duvidoso e etc., são concebidos para dar
‘vida’ à comunidade. Esse tipo de concepção de igreja valoriza imensamente o
ativismo e o pragmatismo. O importante é ter uma agenda cheia. Uma
‘Igreja Não Simples’ é uma igreja autocentrada, ela sente a imensa necessidade
de satisfazer os seus membros, suas programações sempre oferecem alguma
vantagem para a fidelização do cliente. Assim, há sempre uma supervalorização
das sociedades internas e até mesmo o ensino
formal é pensado em categorias subjetivas: o que os alunos querem aprender ou
que assunto eles demostram maior interesse. Por último, apenas para não estender o assunto, uma
‘Igreja Não Simples’, usa expedientes e medidas diferentes das Escrituras na
hora de escolher os seus líderes. Posição social, influência familiar, situação
financeira, formação acadêmica e outros são mais valorizados que os requisitos
bíblicos indispensáveis. Então, o que seria uma Igreja Simples? A
liderança da igreja se entende como servidora. Esta liderança se coloca a
serviço da comunidade para buscar o cuidado e o bem de seus irmãos. A Igreja é
pensada em termos de corpo, comunidade-comunhão, de cuidado, bem-estar e
desenvolvimento humano e espiritual das pessoas. As relações com o
orçamento são vividas em categorias de mordomia, generosidade, sacrifício
espiritual e diaconia. A Igreja Simples gasta o mínimo necessário com templos,
salas, reformas, aquisições de móveis e imóveis. Procura funcionalidade, ainda
que não abra mão da reverência. Seu maior investimento e todo o seu orçamento é
dirigido para que haja na comunidade pregação, treinamento e ensino de
excelência. O que significa dizer, contratar pastores proficientes, investir em
formação e qualificação dos obreiros em geral, contribuir para as missões com
consistência e regularidade. Uma igreja Simples, usará a maior parte dos
seus recursos para abençoar os que estão do lado de fora de seus muros.
Outra característica da Igreja Simples é a vivência do essencial do Evangelho
como estilo de vida, isto é, fazer discípulos. O centro da Grande Comissão e o
resultado prático da ressurreição é o nascimento de uma comunidade de
discípulos-discipuladores. Esta é a tarefa dada por Jesus antes de Ascender aos
céus. Desde logo, compreendemos que Uma Igreja Simples é centrada no Evangelho,
tudo é pensado para que o Evangelho seja pregado, ensinado, vivido e
testemunhado. Na Igreja Simples sobra tempo
para que os membros possam ter vida relacional e social fora do reduto cristão
a fim de que o Evangelho possa ser difundido. A agenda da Igreja
Simples é de tal maneira organizada, que os crentes tenham tempo em quantidade
e qualidade para viver o Evangelho na família, testemunhar para os amigos,
ensinar para os interessados e dar provas e sinais de sua nova vida junto aos
seus colegas no trabalho ou na Universidade. Ela se vê menos reunida e mais em
missão. Para concluir essa breve reflexão, as lideranças da Igreja Simples
são escolhidas dentre aqueles que demonstram maior maturidade no discipulado.
Suas qualificações podem ser um ‘plus’, porém, não a causa de sua investidura.
Aquelas qualificações do Novo Testamento são tão suficientes quanto
indispensáveis. Sonhemos todos com um Evangelho Simples para sermos
Simplesmente Igreja dos discípulos de Jesus Cristo.
Itapira desde cedo entrou para a vanguarda da história da igreja evangélica brasileira. A cidade, ainda conhecida como Penha do Rio do Peixe, foi uma das primeiras a receber o evangelicalismo de missões no Brasil. Quando a igreja presbiteriana ainda engatinhava em solo pátrio já em 1874 os primeiros missionários chegaram por aqui. George Chamberlain foi o pioneiro nessas paragens. Além de pregar de maneira inaudita o Evangelho de Tradição Protestante aqui em Itapira, batizar os primeiros conversos da família Bologna, esse mesmo missionário foi o precursor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, referência em excelência acadêmica no Brasil. Simultaneamente à presença de Chamberlain e substituindo a esse, estiveram por aqui os Reverendo Edward Lane e George Nash Morton que consolidaram a obra. Entretanto, os primeiros missionários e os primeiros convertidos de Itapira não são exatamente a primeira presença protestante por aqui. O Evangelicalismo de imigração chegou junto com as famílias Sholl, Wismamn e Fray que aqui fixaram residência, sem, porém, receberem a assistência de ministros protestantes, coisa que passou a acontecer com a chegada dos presbiterianos. Passados 143 anos desde os dias de Chamberlain, a presença evangélica em Itapira cresceu muito, para o bem e para o mal. Quase uma centena de denominações estão atuantes hoje em nossa cidade, todavia, nem sempre essa presença significa verdadeira transformação sentida e profunda interação e cooperação para o desenvolvimento e a solução dos problemas comunitários. Muitas comunidades eclesiais só se entendem em termos de exclusivismo religioso, proselitismo e às vezes verdadeira alienação do contexto social, político e econômico de nossa cidade. Apesar de sermos muitos, nossa presença nem sempre é sentida no tecido social. Há muito o que fazer por Itapira, existem muitas áreas em que podemos e devemos cooperar, além de nossa tarefa irrenunciável de pregar o Evangelho e testemunhar a Jesus Cristo como único e suficiente Salvador. Vivemos uma semana triste a que passou (escrevo essa pastoral em 14.05), lemos pelos jornais que um corpo de um desconhecido (até essa data) foi encontrado afogado no Ribeirão da Penha; dois assassinatos foram cometidos na cidade, um emblemático, bem em frente ao Fórum Municipal; um suicídio; um afogamento de adolescente e por fim, acabo de ler nas redes sociais, um trágico acidente com duas vítimas fatais em uma rodovia de acesso à nossa cidade. Isso sem falar nos inúmeros furtos, assaltos à mão armada, invasão e roubos a residências à luz do dia. Não menos triste é a sensação de que a Política local também cambaleia num jogo de interesses estranhos e difíceis de serem entendidos. Pautas, como a transparência, a fiscalização e prestação de contas, que deveriam ser levantadas e defendidas por todos, sem distinção ou coloração partidária, e justo em dias de ‘Lava Jato’, são ainda objeto de disputas. A igreja é chamada a ser sal e luz, isto é, convocada a colocar em prática uma nova ética comprometida com o bem comum, o fazimento da justiça social, a cooperação e efetiva participação na busca pela paz e o anúncio/denúncia proféticos do Reino que chega para suplantar os ‘anti valores’ desse mundo caído. Quando falamos de missões, quando nossas comunidades realizam as suas conferências sobre o assunto, sempre trazemos à tona as realidades da África, do Oriente Médio, da Ásia, ou do nordeste brasileiro. De fato, são contextos que reclamam a nossa oração, o nosso investimento, o nosso compromisso e o envio de servidores do Reino. Essas realidades, contudo, não invalidam o mandato permanente para as missões também onde estamos inseridos. Na verdade, toda legítima missão começa por onde estamos. Se não fazemos diferença profética e transformadora aqui, o que nos levaria a pensar que o Senhor se disporia a usar de nós em qualquer outro lugar? Os que são enviados, são aqueles mesmos que em sua origem já estavam comprometidos com a obra que Deus está fazendo no mundo, o que muda é um novo local onde continuar servindo em novos contextos e com novas estratégias, no mesmo Reino difundido além-fronteiras. Tomemos a consciência de que enquanto estivermos aqui, Itapira merece e reclama os nossos cuidados, o nosso amor, a nossa cooperação, a nossa destemida ação profética. Nós não somos nem de direita, nem de esquerda e nem em cima do muro. Somos de Jesus Cristo. Somos do Reino e estamos do lado da verdade e da justiça e desejamos fazer parceria com todos quantos, mesmo não crendo conosco, esposam os valores pelos quais vivemos. Missões em Itapira já!
Em menos de 300 anos o cristianismo, que começou como
um movimento dentro do judaísmo, doze homens em treinamento intensivo aos pés
de um Mestre e ainda quase uma centena de outros seguidores e discípulos com
níveis diferentes de comprometimento, conquistou praticamente o Mediterrâneo e
a totalidade do Império Romano. Nesse período de vertiginoso crescimento é de
se esperar que tempos de paz, muito incentivo e apoio cultural e político, bem
como a influência de pessoas poderosas contribuíssem diretamente para tal
sucesso. Também poderíamos esperar que a todo o tempo, os membros desse
movimento contassem com a liderança sempre proficiente de líderes bem formados
e profissionais. Mas, nada disso aconteceu, pelo menos não o tempo todo e em
todos os lugares. Na verdade, tudo corroborou, debaixo da providência divina, para que o
Evangelho se movimentasse em todas as direções, o tempo todo, em todas as
camadas sociais. Deus serviu-se de perseguições religiosas, perseguições e
intolerâncias culturais e políticas, guerras, epidemias, tráfico de escravos e
muitas outras situações para colocar em ação o seu plano de estabelecer Cristo
como Rei e Senhor de muitíssimas vidas. O mais impressionante que nem
sempre o Evangelho chegou com um missionário especialmente para isso
comissionado. E isso, ainda nos tempos apostólicos. Na esmagadora maioria das
vezes o Evangelho foi levado no meio dos poucos pertences de uma fuga às
pressas em tempos de perseguição. Outras vezes foi recebido entre os espólios
de uma guerra e foi introduzido quase imperceptivelmente pelos expatriados,
exilados e escravizados onde quer que seus novos ‘senhores’ os haviam enviados.
O impacto do Evangelho nesse período até Constantino (313) e também depois dele
até quase o século V teve como principais obreiros, soldados,
mercadores, teve
como principais obreiros, soldados, mercadores, empregados domésticos,
servidores públicos, artesãos, mascates, donas de casa e escravos. Os
principais púlpitos eram os mercados, as esquinas, as casas públicas de banho,
os escuros, úmidos e insalubres aposentos dos empregados e escravos e as
masmorras. A estratégia era uma
só, não perder tempo e nem oportunidade para falar de Jesus Cristo e de viver
uma nova ética em meio ao seu contexto vital. As rotas comerciais, as
impressionantes estradas da “Pax Romana”, a incessante movimentação dos povos e
as rotas migratórias e o gigantesco deslocamento de tropas do exército romanos
e suas legiões formadas por bárbaros vencidos e recrutados, propiciou um
encontro internacional e multiétnico que favoreceu a disseminação da fé cristã
entre povos, línguas e raças numa escalada impossível de ser planejada com
antecedência. Assim, através do encontro pessoal, dos relacionamentos sociais,
do testemunho intencional e apaixonado e da “tradição oral”, Jesus Cristo foi
apresentado como único e suficiente salvador, Aquele único que pode dar sentido
à essa vida, conforto na morte e certeza da imortalidade. Não são poucos os
casos de grandes conversões ou conversões de pessoas ilustres e influentes que
se deram através do comportamento casto, nobre, honesto, sempre magnânimo,
gentil, manso e corajoso dos cristãos, cuja função nem sempre passava de
insignificante e trivial serviço doméstico. O corajoso testemunho dos cristãos
nas arenas diante das feras, ou no cadafalso diante de seus algozes, a
serenidade sob a falsa acusação de um tribuno, sempre causou fortíssima
impressão, mesmo nos inimigos da fé. Evidentemente que mais tarde, quando
comunidades surgiam da força deste testemunho pessoal e a igreja começava a sua
vida, foi preciso a participação de missionários, pastores, evangelistas com
especial comissão e conhecimento para agregar valor, profundidade, solidez e
racionalidade à novíssima fé dos recém-convertidos. Entretanto, uma lição pode
e deve ser aprendida por nós em pleno século XXI. Nada substitui a força dos
relacionamentos sociais, o contato real, corpo a corpo, e a convivência com
pessoas de fora de nossos arraiais, para o crescimento do Evangelho. Não há
estratégia que possa suplantar o intencional testemunho de um cristão em
ambiente hostil, indiferente e até zombador da fé. Os discursos são
necessários, claro. Somos a religião da Palavra. Nosso Deus é o Deus da Palavra
e é por meio dela que Ele se comunica conosco. Todavia, Palavras sem
testemunho, sem comportamento, sem procedimento ético é uma Palavra ao vento. O
mundo precisa outra vez ser impressionado pela vida dos cristãos.
Impressionar-se vendo-nos no dia a dia, no cumprimento de nossas obrigações, na
substancial diferença que marca os nossos relacionamentos. Que o nosso
testemunho seja outra vez irresistível e queira Deus marcar outras vidas por
nossas vidas marcadas por Ele.