O Santo Nome em vão
“Nele se alegra o nosso coração, pois
confiamos no seu santo nome” (Sl 33.21).
Um amigo do facebook, aliás, ministro do evangelho e professor de
filosofia, teve uma sacada genial. Atento observador que é, detectou as
palavras mais citadas no dia da votação pela admissibilidade do processo de
afastamento da presidente Dilma no domingo passado. Ele identificou a seguinte
ordem: Dilma – Deus – Cunha. A partir daí ele chegou à seguinte conclusão: outra vez crucificado entre dois
malfeitores! Achei genial. De fato, não saberia contar quantas vezes o
terceiro mandamento da Lei de Deus foi violado. E não o foi apenas por pessoas
ímpias, descrentes e indecentes. Muitos
ali transvestidos de ovelhas, em nome de denominações e currais eleitorais, com
interesses que de santos não têm nada, invocavam o santo Nome para fundamentar
o seu voto. Mas, pergunto-me, como Deus pode ser chamado a abençoar este
teatro bufão em que se tornou o nosso Congresso? Não quero e não vou entrar no
mérito deste processo. Confesso mesmo que talvez não reúna as qualidades
técnicas necessárias para um julgamento. E, sinceramente, politicamente ando
desconfiado de tudo e de todos, embora não tenha perdido a esperança de que as
coisas podem e vão melhorar. Mas, não posso deixar de manifestar o meu
desconforto tanto com aqueles que invocaram o Santo Nome em nome sabe-se lá de
quê tanto quanto daqueles que postam nas redes sociais frases dizendo que não
se pode levar a sério quem misture Deus e Política. Quer dizer, em nome do GLBT
pode? Misturar opção sexual e transformar propaganda do GLBT em currículo
escolar inclusive, pode? Pode misturar futebol (tem até bancada da bola) com
política, tudo bem? Mas, Deus não pode? O
que não pode é misturar a função e a missão da Igreja com o Estado. Isso não
pode. A separação entre Estado e Igreja é salutar para ambos os lados. O Estado
possui autoridade e missão distintas da Igreja, desejadas pelo mesmo Deus
cultuado na Igreja. Mas, a Igreja tem outra esfera de autoridade e serviço
recebidas do mesmo Deus que
ordenou ordenou a existência das autoridades
para a coibição do mal público e a aplicação da justiça e o socorro dos
desfavorecidos. Deus se interessa sim
por Política. A Bíblia tem muito a ver com organização política, com sistemas
econômicos, com políticas sociais, com a defesa das minorias. Deus mesmo
estabeleceu lideranças políticas e as equipou com leis, dons espirituais e
recursos para a aplicação da justiça, a garantia da vida e da liberdade, o
direito à terra, a produção e etc. Na verdade, sempre que na história Deus foi
banido do discurso e dos sistemas políticos a sociedade tornou-se mais
desumana, menos capaz de nutrir interesse e compaixão pelos pobres, mais
suscetível ao crime e ao desrespeito absoluto pela vida humana. Mas, sempre que
o Nome e a autoridade de Deus foram tomados em vão e pronunciados de maneira
ímpia, as mesmas desgraças ocorreram nas mesmas proporções. Então, o nosso
problema não está se Deus deve ser invocado ou não, mas por quem e porquê. Deus só pode ser invocado por quem crê em sua
existência, conhece e teme as suas leis, ama o seu plano e caráter, submete-se
à sua autoridade e deseja que o seu Reino e Justiça influenciem desde a sua
vida pessoal até o conjunto todo da sociedade. Deve ser invocado porque se crê
que Deus não há de comprometer-se e abençoar projetos iníquos, desejos escusos,
corações fraudulentos, traições e conspirações que atentem contra a vida, a
dignidade e a verdade da pessoa, dos fatos e da história, antes, vai
desbaratá-los! Distorcer fatos, palavras e a realidade em si é na verdade coisa
de outro personagem da religião. (Ah, ele também é pai do homicídio e da
corrupção). Agora, quando Deus é invocado para legitimar impérios religiosos e
ministeriais que usam da política apenas e tão somente para o seu benefício,
manutenção de seu status quo e a expansão de seus domínios, evidentemente que
isso se configura em grande abominação. Tão abominável quanto um militante de
um partido ateu e irreligioso, com posturas e práticas que contrariam o próprio
Deus, invoca o Santo Nome ou pede o seu auxílio para o sucesso de sua empreitada.
Depois do que vi e ouvi nesse domingo, muito embora eu seja cristão fervoroso e
convicto calvinista, cheguei a pensar que nem mesmo Deus teria a ver com
qualquer coisa ali e nem mesmo queria ver-se associado àquela turma, pelo menos
em sua grande maioria. Todavia, sei que Deus é soberano, é o Senhor da
história, todas as coisas lhe pertencem e a tudo submeteu ao Senhorio de seu
Cristo. Então, só me resta acreditar que a invocação de sua presença e de sua
iluminação realizada em muitas igrejas espalhadas pelo país, sobre os Deputados
e Deputadas reunidos naquela tarde-noite de domingo, tenha sido do agrado do
Eterno e que Ele se digne dar ao nosso país aqueles dias em que “Se tão-somente você tivesse prestado atenção
às minhas ordens, sua paz seria como um rio, sua retidão, como as ondas do mar”
(Is 48.18) e ainda, “O amor e a
fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se beijarão” (Sl 85.10), “O fruto da justiça será paz; o resultado da
justiça será tranquilidade e confiança para sempre” (Is 32.17). Que Deus tenha misericórdia de
nós!
Reverendo Luiz Fernando é Ministro da
Igreja Presbiteriana Central de Itapira,
professor de Teologia Pastoral e
Bioética no Seminário Presbiteriano do Sul e de
Filosofia na Faculdade
Internacional de Teologia Reformada – Fitref.
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