Nossa Herança
“Aquele que deste modo serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado
pelos homens”
(Rm 14.18)
Desde sempre nós protestantes cremos e ensinamos os
outros a crerem em um Deus soberano. Um Deus que nada nem ninguém pode impedir
de agir ou sequer atrapalhar qualquer iniciativa d’Ele, a não ser que Ele mesmo
permita e limite a ação de homens ou anjos caídos que intentem tal coisa. Mas,
no final, todos terão feito o que Ele mesmo decretou de maneira sempre sábia,
justa e santa. Isso é um mistério, mas também uma doutrina Bíblica e uma
posição teológica que provoca em nossos corações humildade, submissão e
sobretudo, ações de graças. Dentro dessa concepção de soberania é que
entendemos as missões em termos de nossa própria história denominacional no
Brasil. No dia 12 de agosto de 1859 chegou ao Rio de Janeiro um jovem missionário presbiteriano vindo dos Estados
Unidos. Não conhecia a nossa língua e não sabia muito de nossa cultura e de
nossos costumes. Era um piedoso cristão que há não muitos anos havia professado
a sua fé pessoal no Salvador Jesus, embora nascido em um lar muito piedoso e
tradicionalmente cristão. Depois de uma experiência durante um tempo de
despertamento em sua igreja e cidade, entrou para o seminário e depois de
formado, sem nenhum outro treinamento específico ou experiência pastoral,
aceitou sua chamada divina para vir ao Brasil-Império. Chegado aqui, além de
todas as dificuldades inerentes ao trabalho missionário em geral, sofreu com a
distância e o isolamento nos trópicos, tão diferente de tudo o que ele
conhecia. Esse jovem, Ashbel Green Simonton não se deixou abater até o
imobilismo e à morbidez. Pelo contrário, angustiava-se em sua alma por fazer
tão pouco em face de tamanha urgência e necessidade da obra. Esmerou-se.
Esforçou-se para aprender a língua, consagrou-se a Deus em oração
e no cultivo da piedade pessoal, amou o Brasil e deixou-se contristar e
constranger por suas mazelas humanas e espirituais. Depois de uma rápida
ausência do Brasil, retornou casado dos Estados Unidos onde esteve para
divulgar a obra e angariar recursos. Outra vez aqui, depois das primeiras
conversões e dos primeiros cooperadores, sempre com um coração todo entregue e
submisso ao Senhor da Igreja, com criatividade espiritual incrível, usou todos
os meios lícitos e próprios para a divulgação do Evangelho, distribuição de
Bíblias, tradução e disponibilização de literatura evangélica, a criação de um
jornal cristão, cultos, visitas, viagens missionárias e estabelecimento de
relacionamentos estratégicos na Corte e entre a intelectualidade. O
surpreendente nisso tudo é que com pouco tempo e muitas dificuldades pessoais é
que ele pode realizar tudo isso. Em meio à sua agitada vida missionária ficou
viúvo e com a responsabilidade de cuidar de uma filha recém-nascida. Além do
mais, Simonton faleceu em 9 de dezembro de 1867 aos 34 anos de febre biliosa em
São Paulo. Quando de seu falecimento a Igreja Presbiteriana do Brasil já
começara a se espalhar pelo país, havia um jornal, um seminário, um pastor
brasileiro (o primeiro brasileiro ordenado na Igreja Protestante) e um
presbitério. Em vertiginosos oito anos de missões no Brasil, num Brasil muito
diferente do nosso, Simonton colocou-se de tal maneira sem reservas nãos mãos
de Deus que a sua obra histórica transcende em muito a sua pessoa. De um, hoje
somo milhões. A Igreja Presbiteriana então, não é só herdeira de uma tradição
eclesiástica, a Calvinista. Nem só filha de uma denominação, a Igreja
Presbiteriana dos Estados Unidos. É mais, muito mais, somos herdeiros de uma
compreensão de quem Deus é e de como Ele age soberanamente. Somos herdeiros de
uma fé que celebra um Deus que não precisa de nada, não precisa de ninguém, não
possui rivais ou adversários e que coisa alguma pode frustrar os seus intentos.
Somos herdeiros de uma teologia e de uma espiritualidade que com quanto façamos
com zelo e amor o melhor que podemos, nos colocamos inteira e completamente
submissos ao comando do Senhor e sem questionar, aceitamos e acatamos os
acontecimentos da vida, não como infortúnios, mas como uma maneira, ainda que
inescrutável, todavia, santa, sábia e que redunda glória a Deus e no final, o
nosso aperfeiçoamento para a Glória. Aprouve a Deus ser glorificado nas
limitações e na trágica história da família Simonton. Aprouve a Deus aceitar o
coração prontamente entregue por ele para a obra. Quis o Deus da Glória e da
Graça que 157 anos depois celebrássemos a nossa maior herança: estar a serviço
do Deus Soberano ainda que tudo em nós pareça fadado à derrota. Mas no final,
sabemos, somos mais que vencedores!
Reverendo Luiz Fernando
é
ministro da Palavra e dos Sacramentos na Igreja Presbiteriana Central de
Itapira
Nenhum comentário:
Postar um comentário