Reforma Protestante: 500 anos depois
“Jesus foi
considerado digno de maior glória do que Moisés, da mesma forma que o
construtor de uma casa tem mais honra do que a própria casa” (Hb3.3).
“Pois ele
esperava a cidade que tem alicerces, cujo arquiteto e edificador é Deus”
(Hb 11.10).
Estamos próximos da data referencial para as
comemorações dos quinhentos anos da Reforma Protestante. Desde aqueles dias
longínquos de 31 de outubro de 1517 o mundo sofreu profundas transformações.
Deus serviu-se de muitos movimentos na filosofia, na política, na arte e na
economia que já estavam em curso no século dezesseis, como o cenário ideal para
a Reforma de sua Igreja. Inegavelmente, Martinho Lutero nunca teve a
intenção de separar-se da Igreja então estabelecida. Na verdade, um
grande número de suas teses e durante um certo período de suas contestações, o
monge alemão procurava isentar o papa de quaisquer erros, pecados ou
cumplicidade com os desmandos que ele estava denunciando. Somente com o passar
do tempo e com o desenrolar dos acontecimentos, Martinho Lutero deu-se conta de
que a Igreja não estaria aberta ao diálogo e às suas possíveis contribuições
como teólogo, professor e pregador das Escrituras. Fundamentalmente o movimento da
Reforma é um evento de natureza religiosa e eclesiástica. Todavia, não
era um movimento que visava reformar a estrutura governamental e política, não
deseja criar novos dogmas ou novos cânones. Como disse, nem mesmo a autoridade
do papa ou a legitimidade da sucessão episcopal foi questionada nos primeiros
ventos reformadores. A reforma Protestante foi o desejo de voltar
o mais próximo possível, na práxis, na ética, no culto e na vida da Igreja e
dos cristãos, ao padrão encontrado nas Escrituras. Para tanto, nossos pais
reformadores passaram a testar no crivo das Escrituras todas as coisas que
envolviam a dinâmica da fé. Aquilo que não pode sustentar-se diante da
Palavra de Deus ou que não foi possível provar como sendo diretamente ordenado
pela Bíblia ou que pela luz da natureza e prudência cristã, não encontrasse
respaldo nas orientações gerais inferidas da revelação bíblica, deveria ser
abandonado sem mais considerações. À luz da Palavra de Deus mesmo a Tradição
salutar e multissecular precisou ser avaliada, purificada e validada. Antes
disso, a Bíblia para comprovar o seu valor necessitava da autoridade dos pais
da igreja e dos antigos doutores, com suas interpretações, intuições e
tratados. A Reforma inverteu essa lógica, desde então, não importa quem tenha
dito o quê, um pai da Igreja da envergadura de um Agostinho, um teólogo da
estatura de Tomás de Aquino ou um célebre papa como Gregório o Grande, esses só
devem ser ouvidos se o que ensinam sobrevive ao teste da Palavra de Deus. Se
com ela se harmoniza e se subordina, seria uma temeridade não ouvi-los e com
eles aprender. Se o que ensinam, contradize a palavra de Deus, seria loucura,
pecado, dar-lhes ouvidos e imitar a sua vida e a fé. Assim, da cátedra ao
púlpito, da sacristia ao altar, dos claustros à paróquia, liturgia, pregação e
ética foram sofrendo profundas depurações, correções, reformas e sendo
adequadas e harmonizadas com a Palavra de Deus. E a consequência disso tudo é
que o século dezesseis viu surgir um novo homem, o ‘Homo Reformatus’. Esse novo
homem não é menos religioso que o seu ancestral medieval, todavia a sua fé é
mais racional, mais inteligível, mais provada e alicerçada. Sua experiência do
sagrado não é ‘magiada’, supersticiosa e refém do ‘tremendo sobrenatural’ que
era representado nas liturgias misteriosas e incompreensíveis. O
adorador reformado adora com a mente, com o entendimento, seu culto é racional
na medida que é uma resposta amorosa ao Deus que abre diálogo com ele mediante
a clareza e simplicidade das Escrituras. Esse novo homem forja também
uma nova sociedade, uma nova cultura. Redescobre a partir da Bíblia a
sacralidade e a santidade do casamento. Redescobre o casamento como um meio
natural e ordinário para a santificação dos cristãos. Passa a entender que os
cônjuges são chamados a mesma perfeição, ás mesmas virtudes e ao mesmo estado
de santidade do que aqueles que emitiam seus votos monásticos em uma ordem
religiosa. O trabalho manual, a geração de renda, a dignidade da pessoa humana,
da mulher, da criança e a popularização da alfabetização são outras afirmações
originadas a partir de um novo entendimento da fé, da relação com Deus com base
no pacto de graça realizado exclusivamente por Cristo. Quinhentos anos depois,
o canteiro de obras da Reforma da Igreja permanece ativo, ainda, como sempre e
infelizmente, os operários são poucos, mas as demandas ainda estão aí.
Precisamos pedir a Deus que esse homem novo, o homem bíblico, o ‘homo
reformatus’, continue a ser gerado pela fé a fim de que essa obra iniciada e
tantas vezes interrompida, adiante os seus dias, para que de cada povo e nação,
surja uma igreja fie. E assim, esteja muito, muito perto, a volta gloriosa de
Jesus e aí, uma Igreja nova e acabada seja por Ele resgatada. Que a Reforma
continue!
Reverendo
Luiz Fernando
é Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
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