Deserto adentro
“Portanto,
guardarás esta ordenança, de ano em ano”
(Êx 13.11)
A
cada ano a liturgia traz em seu ciclo um tempo em preparação para a celebração
da Páscoa da Ressurreição do Senhor Jesus Cristo. Esse tempo se inicia com a
quarta-feira de cinzas e se estende até a quinta-feira da paixão quando tem
início o tríduo pascal que culmina no domingo de páscoa. É bem verdade que as
Escrituras não aplicam aos cristãos a obrigatoriedade do preceito que diz: “Este dia vos será por memorial, e o
celebrareis como solenidade ao Senhor; nas vossas gerações e celebrareis por
estatuto perpétuo” (Ex 12.14). Todavia, temos o entendimento
neotestamentário de que todos os eventos que envolvem o Êxodo de Israel do
Egito são na verdade, prefigurações e tipos do que deveria acontecer com os
eleitos no Êxodo do Calvário, quando em Cristo passamos da escravidão do pecado
e da morte para a liberdade dos filhos de Deus e para a vida eterna. A
prudência cristã julgou benéfico e proveitoso à piedade e a disciplina
espiritual da igreja, desde muito cedo, a recordação litúrgica que marca a
“instituição mística” da igreja de Cristo desde a quinta-feira da Instituição
da Ceia, a paixão e morte da sexta feira, o descanso e o silêncio do sábado e
finalmente a glória da ressurreição no domingo. Essa mesma prudência cristã
levou a liderança da igreja antiga unir o tempo de preparação para o batismo e
consequentemente a admissão à Eucaristia, por parte dos novos conversos, a um
tempo forte de preparação espiritual que culminaria na celebração concomitante
dos dois sacramentos por ocasião da páscoa. Essa disciplina do catecumenato
antigo que perdurou do início do século II até por volta do ano 313, recebeu o
nome de quaresma. Durante os quarenta dias que antecipavam a páscoa os
catecúmenos passavam pelas provas do escrutínio, isto é, eram fortemente provados,
examinados e recebiam as últimas instruções, e se aprovados, na madrugada de
domingo de páscoa eram admitidos entre os irmãos por meio dos sacramentos. Com
o fim do catecumenato antigo, a prática litúrgica de preparação para a páscoa
foi preservada e se estendeu para todo o corpo da igreja indistintamente.
Tornou-se numa espécie de grande retiro espiritual dos cristãos que são
convidados a entrar misticamente como Israel no tempo do deserto para ter o seu
coração preparado para as delícias da terra prometida e seus desafios: “...que no deserto de sustentou com maná, que
teus pais não conheciam; para te humilhar, e para te provar, e afinal, te fazer
bem...” (Dt 8.16). Também é um tempo em que o Espírito Santo, conduz pela
liturgia da Palavra, a Igreja como a seu Senhor para ser tentada no deserto e
vencer o seu inimigo (Mt 4). Claro está que tudo não passa de uma
pedagogia espiritual e pastoral. É um modo sábio e inteligente de se
aproveitar uma ocasião que a história e os costumes nos propiciam e isto de
duas maneiras. Na primeira delas a igreja é convidada a fornecer conhecimento e
informação escriturística à sua fé. É um tempo propício para voltarmo-nos para
o Antigo Testamento e estudar com afinco aqueles maravilhosos eventos da páscoa
antiga, aqueles antigos sacramentos e ritos, aquelas maneiras de celebrar e
renovar a Aliança e todos os feitos e palavras que apontavam claramente para a
necessidade e a vinda de Cristo. É um tempo precioso para aprofundarmos como
igreja ainda mais em tudo o que ocorreu conosco, em nosso favor e em nosso
lugar no madeiro do calvário. Um tempo para crescer no conhecimento das
doutrinas da Graça ali, tão claramente expostas, e nos rendermos em fervorosa
adoração. A segunda maneira é a de
aproveitar a comemoração da páscoa e os dias que dela se aproximam para
justamente proclamar aos que não creem que a salvação, que a libertação só
existe em Jesus. A páscoa e tudo o que ela envolve é antes de tudo uma
oportunidade para a igreja dar as razões da sua esperança e testemunhar e
compartilhar a sua fé ao mundo. Apesar de todas as polêmicas que envolvem se
devemos ou não celebrar uma festa que nem é cristã em sua origem, ou se há ou
não ordenança positiva no Novo Testamento para a igreja comemorar a data, o
fato inegável é que não há acontecimento mais grandioso, mais glorioso e mais
caro à igreja do que a Ressurreição de Cristo. Se é verdade que a celebrarmos
em cada Ceia do Senhor, e que cada domingo é a páscoa dos cristãos, então, onde
estaria o equívoco de fazer com mais solenidade uma vez ao ano? Analogicamente,
a cada novo dia celebramos um dia a mais de vida, e somos gratos por isso. Mas,
nada impede que a cada ano, numa data precisa, o façamos com mais festa e com
mais alegria. Desejo que a Igreja Presbiteriana Central de Itapira aproveite
estes dias que nos separam e ao mesmo tempo nos aproximam da páscoa para, ‘deserto a dentro’, peregrinarmos como
povo de Deus rumo a terra prometida.
Rev. Luiz Fernando
Ministro da Igreja Presbiteriana Central de
Itapira
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