Misericórdia, o coração do Evangelho.
“Bem-aventurados
os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia” (Mt 5.7).
O centro das Boas Novas
anunciadas por Jesus Cristo, que é a suma da esperança e da fé dos crentes do
Antigo Testamento é a apresentação do Deus das misericórdias. Deus se compraz
em mostrar misericórdia para com os pecadores arrependidos. Deus
revela-se misericordioso sempre que invocado pela fé por homens e mulheres
ruborizados pelo pecado, impotentes frente ao mal e incapazes de fiados em
justiça própria, consertar a própria vida. A misericórdia da parte de Deus é
uma ação criadora, que transforma a realidade, que cria nova oportunidade, nova
vida, novas energias para continuarmos seguindo em frente. Os rabinos
costumam ensinar que antes da criação do mundo visível, Deus criou o
arrependimento e a misericórdia, mecanismos pelos quais Ele mesmo poderia
relacionar-se com as suas criaturas limitadas e passíveis de pecar, como foi o
caso. Então, a misericórdia antecipou-se á Queda, de modo que o perdão já
estava à disposição antes mesmo do pecado entrar no mundo. Ainda hoje, as
misericórdias do Senhor continuam se antecipando a nós, elas se renovam a cada
manhã, causa de não sermos consumidos e aqui está a nossa esperança e a nossa
segurança (Lm 3. 21ss). A misericórdia é um santo antídoto contra as
mais variadas enfermidades que grassam em nosso mundo. Nosso tempo reclama o
exercício da misericórdia em muitíssimas frentes. Precisamos começar a viver a
cultura da misericórdia em casa, de maneira especial, no casamento. Sem
misericórdia, o ato gracioso e bondoso do coração de levar em consideração a
fragilidade do outro, o gesto generoso de acolher e carregar o fardo da
limitação do doutro, nenhuma relação pode ser saudável e duradoura. As
cobranças insistentes por perfeição, as falsas e ilusórias expectativas que criamos em relação
ao cônjuge, às vezes exigindo mais do que ele um dia prometeu dar ou pode
oferecer, gera atritos e ressentimentos amargurados. A misericórdia no
casamento acolhe e ama o outro não apesar de suas fraquezas, mas, justamente
por causa delas. Não que a misericórdia deva nos fazer cúmplices dos pecados,
nada disso, mas a misericórdia nos ajuda a oferecer toda sorte de auxílio,
afeto e segurança psicológica e espiritual para que o outro possa se levantar e
deixar para trás o erro. Onde não há misericórdia tudo o que fazemos
é anotar as faltas mútuas para recíprocas acusações em tempos de dificuldades.
A misericórdia torna a vida a dois, mais adequada, pacífica e gozosa. Nossos
filhos precisam crescer na escola da misericórdia. Mormente nossas crianças
crescem em um ambiente competitivo como a escola, os clubes e as rodas de
amigos. Nossa cultura propõe uma espécie de darwinismo social onde só os mais
fortes sobrevivem. Assim, a porta para a desumanização, a banalização da
violência e a marginalização do fraco, permanece o tempo todo aberta. Sendo
educados num ambiente misericordioso nossos filhos desenvolverão um espírito
solidário, respeitoso, altruísta e compassivo. A misericórdia não permite a
exacerbação da meritocracia e cria espaço para a partilha e a inclusão dos mais
fracos ou incapacitados por quaisquer eventualidades. Essa misericórdia vivida
no coração da família deve transbordar e “respingar” nas engrenagens da
sociedade e na dinâmica da vida. A misericórdia deve assentar-se no banco do
carona e ser uma boa conselheira para a mediação e mesmo o fim da violência no
trânsito. Essa misericórdia deve estar na pauta de nossas reuniões de negócio,
em nossas relações no trabalho, na condução da política e no coração da igreja.
A misericórdia nos livra da obsessão por resultados, nos cura do
perfeccionismo, nos exorciza do amor desmedido pelo poder e nos ensina a perder
com honra e gratidão e a ganhar com humildade e ação de graças. Um coração
cheio de misericórdia nos faz ter uma imagem mais adequada de nós mesmos.
Porque só é misericordioso quem experimentou a misericórdia, logo, esse tem a
dimensão exata de sua miséria, de sua fragilidade e está consciente de que seus
pés também são de barro. Então, quem sabe-se agasalhado pela misericórdia de
Deus em Cristo e cresceu na vivência dessa misericórdia em suas relações desde
sua família e igreja, não tem outra opção que não ser agente desse amor curador
e restaurador do Pai que pela misericórdia sempre faz novas todas as coisas.
Reverendo Luiz
Fernando
É Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
Nenhum comentário:
Postar um comentário