De quem devo fazer-me próximo?
“Quem ama seu
irmão permanece na luz, e nele não há causa de tropeço” (1 João 2.10).
No Evangelho de Lucas um intérprete da Lei, tentando
pôr Jesus à prova e depois tendo que justificar-se ante a sua tentativa inútil,
interroga a respeito de como identificar o seu próximo para cumprir o
mandamento do amor. Nessa passagem do Evangelho que você pode ler em Lucas 10.
25-37, duas lições surpreendentes emergem da parábola contada por Jesus. A
primeira delas fica evidente sobre o real problema do intérprete da Lei e dos
homens religiosos em geral. O problema daquele interlocutor de Jesus não era e
nunca foi falta de conhecimento ou informação. Mesmo porque, ao resumir os 613
mandamentos conhecidos e identificados pelos rabinos contidos na Lei, aos dois
essenciais: Amar a Deus e ao próximo, ele demonstrou conhecimento e talento
para a hermenêutica da Lei, sabia interpretá-la com muita precisão. O mesmo se
pode dizer do sacerdote e do levita da parábola, eram vocações especiais que
suponham esse mesmo conhecimento do homem que falava com Jesus. Então, qual o
real problema de um homem que é capaz de identificar Deus e não sabe onde
encontrar o seu próximo? Jesus revela isso na segunda lição, personificada na
personagem do Samaritano. O intérprete da Lei é um homem soberbo de coração e
cheio de justiça própria, alguém que se julga melhor do que os outros
exatamente porque se reconhece como muito religioso e entendido nas coisas de
Deus, e talvez por isso era incapaz de identificar-se com a vulnerabilidade,
fraqueza, impotência e sofrimento dos outros. O Samaritano, porque desprezado e
marginalizado pelos Judeus, sabia muito bem o que significava viver em
alienação, abandono e desprezo, identificou-se, deixou-se tocar pela compaixão
(entrou no sofrimento do homem caído à beira do caminho), se importou e se
comprometeu com ele. Jesus quer
ensinar-nos essa preciosa lição de amor ao próximo antes de mais nada
ensinando-nos que somos todos devedores à misericórdia e bondade de Deus.
Ninguém possui mérito, Deus não nos deve nada, e não há coisa alguma que
possuamos que não tenha sido dado por Ele, então, em última instância, éramos
todos marginalizados, caídos, impotentes, estávamos todos feridos de morte.
Sabemos o que é ser alienado e deixado à própria sorte. Vivíamos assim até que
como ensina Paulo: “Houve tempo em que
nós também éramos insensatos e desobedientes, vivíamos enganados e escravizados
por toda espécie de paixões e prazeres. Vivíamos na maldade e na inveja, sendo
detestáveis e odiando-nos uns aos outros. Mas
quando se manifestaram a bondade e o amor pelos homens da parte de Deus, nosso
Salvador, não por causa de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua
misericórdia, ele nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito
Santo, que ele derramou sobre nós generosamente, por meio de Jesus Cristo,
nosso Salvador” (Tt 3.3-6). E esse lavar regenerador nos capacitou para as
boas obras : “Porque somos criação de
Deus realizada em Cristo Jesus para
fazermos boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que nós as
praticássemos” (Ef 2.10-10) e nos tornou devedores do amor a todos os
homens: “Não devam nada a ninguém, a não
ser o amor de uns pelos outros, pois
aquele que ama seu próximo tem cumprido a lei” (Rm 13.8). Assim, o que
realmente importava ao intérprete da Lei, o que faltava ao sacerdote e ao
Levita e o que muitas vezes acontece conosco é a inadequação de nosso coração
com aquilo que julgamos saber. O intérprete da Lei queria herdar a vida eterna,
sabia que não podia obedecer com perfeição a Lei, pensou então que se amasse
alguém digno de seu amor, um compatriota, um irmão de raça ou religião,
excluindo o samaritano, evidentemente, herdaria a vida eterna. O que Jesus
ensina é exatamente o contrário. Os que já possuem a vida eterna, os que tiveram
os seus corações já colocados numa relação adequada de graça, gratidão e amor
para com Deus, desejam obedecer à Lei demonstrando satisfação com a
misericórdia recebida e amará o próximo, se fará próximo, será vizinho do que
necessita, há de importar-se com o que sofre e tocará a vida alheia com graça e
misericórdia porque se sentem devedores dessas coisas para com todos. Mas, não
é uma dívida que nos faça sofrer: “Porque
nisto consiste o amor a Deus: obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados”
(1 Jo 5.3). Irmãos, que o nosso próximo seja aquele que nos dê a oportunidade
de servir e amar em qualquer circunstância, sem qualquer rótulo ou julgamento,
levando em conta sempre a mesma graça e a mesma misericórdia que um dia nos
alcançaram.
Reverendo Luiz Fernando
é ministro da Igreja Presbiteriana Central de
Itapira
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