A Igreja e
suas Eras...
“E nela se achou o sangue dos profetas, e dos santos, e de todos os que
foram mortos na terra.”
Apocalipse 18.24
Há uma
maravilhosa obra literária sobre a História da Igreja, escrita de modo
elegante, com estilo refinado e em tom de romance, de autoria de Daniel-Rops,
da Academia Francesa de Letras. Li todos os tomos, já nem me recordo quantos,
durante os meus anos de estudos filosóficos e teológicos. Não foi uma leitura
obrigatória, não fazia parte do currículo, mas nem por isso deixou de ser-me
altamente formativa e tremendamente prazerosa. Daniel-Rops classifica a
história da Igreja em “Eras”: ‘A Igreja e a Era apostólica’; ‘A Igreja e a Era
dos mártires’; ‘A igreja e a Era dos Pais’; ‘A Igreja e a Era dos Confessores’
e por aí vai. Confesso que grande parte da visão de conjunto que possuo hoje da
história bi milenar da Igreja fixou-se em minha mente devido à leitura desta
obra. Em muitos momentos a maneira apaixonada como Daniel-Rops narra os
eventos, tive a impressão, no momento da leitura de que ele ou eu éramos
testemunhas oculares ou muito próximas dos acontecimentos. Mais tarde, contudo,
descobri que na verdade, a História da
Igreja é também a minha história pessoal, é como uma grande álbum de família onde estão registrados eternizados
os feitos de meus antepassados na fé. Com eles aprendo como devo proceder
na vida cristã e também aprendo quais erros e quais caminhos tomados por eles,
devo evitar a todo custo. A História da Igreja nos ensina de onde saímos, nos
confirma se estamos hoje no caminho certo ou não e nos aponta misteriosamente
para o glorioso futuro para onde estamos destinados como povo de Deus. Sendo
assim, gostaria de nas próximas pastorais compartilhar um pouco as lições que aprendemos da Igreja e de suas “Eras”. Comecemos
pelos mártires, uma vez que a história apostólica já nos é bastante
familiar, basta ler o Novo Testamento e de maneira especial, os Atos dos
Apóstolos. Precisamente a “Era” dos mártires inaugura já a História da Igreja
nas páginas do Novo Testamento. Estêvão é chamado de “próto-mártir” do
cristianismo, Atos dos Apóstolos 8.58 ss.
Há também a menção a um certo Antipas em Apocalipse
2.13 que deu a sua vida por testemunho. Certamente muitos outros fecundaram
a semeadura do Evangelho com o seu sangue na grande perseguição que se seguiu à
morte de Estevão e nos dias deste Antipas quando os Apóstolos ainda viviam,
eles mesmos mártires da fé mais tarde, confira Hebreus 11. O Império Romano perpetrou sistemáticas perseguições ao cristianismo nascente. Desde
a difamação caluniosa de canibalismo e ateísmo até a de golpistas insurgentes
contra César. Neste contexto, além do martírio moral das difamações e calúnias,
do empobrecimento e da estigmatização social, lento e incruento, por certo,
havia aquele outro do derramamento de sangue, nas arenas, nos circos, nos tribunais,
nos espetáculos públicos para a diversão dos ímpios e etc. Uma lista infindável
de nomes de homens, mulheres, crianças, anciãos, pastores, ricos ou escravos
obtiveram a máxima honra distintiva de um cristão: foram ornados com a régia púrpura
de martírio testemunhando a Cristo com fidelidade invencível. É certo
que a maioria deles adormeceram em Cristo no mais completo anonimato, outros
porém tiveram seus nomes exaltados já aqui na Igreja terrestre e suas histórias
foram registradas para o devido encorajamento na fé. Dentre estes podemos
citar: Policarpo de Esmirna; Inácio de Antioquia; Cipriano de Cartago; Justino;
Felicidade e Perpétua; Evaristo; Faustino e Jovita; Potino, Blandina e a lista
se estende para miríades de testemunhos. Não é a toa que Tertuliano sentenciou:
“O
sangue dos mártires é semente de novos cristãos.” O martírio não era
uma coisa glamourosa nos dias de: Nero, Décio, Adriano, Antonino Pio e Marco
Aurélio, imperadores Romanos. Os santos daqueles dias temiam por suas vidas.
Cultuavam discretamente, nas catacumbas por exemplo, antes do sol nascer, a
Igreja vivia dias de apreensão, mas cada vez que a oportunidade do testemunho
vigoroso e radical surgia combatiam o bom combate da fé e passavam ao céu
deixando na terra a mais emblemática demonstração de amor, obediência e
gratidão à cruz hasteada no monte. Vivemos dias de um outro martírio, o moral,
o ético. Não menos cruel e destrutivo como o dos romanos. Nossos piores
inimigos hoje atendem pelos nomes de relativismo, secularismo, mundanização,
dessacralização e etc. Somos chamados, como nos dias dos mártires, a nadar
contra a correnteza, a suportar com bom ânimo os ataques dos inimigos da fé, de
dentro e de fora da Igreja. Somos convidados a resistir, a não ceder, a nunca
trair o amor que nos comprou por tão alto preço.
Rev. Luiz Fernando - Pastor Mestre da IPCI
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