A Páscoa da Libertação
“Portanto, fomos
sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de que, assim como
Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos
uma vida nova” (Rm 6.4).
O significado mais profundo da festa da Páscoa é o da
libertação. No Antigo Testamento esta festa foi instituída para a perpétua
memória do acontecimento, do evento da saída, da libertação de Israel do Egito.
As Escrituras nos informam que Deus ouviu o clamor, viu o sofrimento e decidiu
intervir na história de seu povo. Claramente o Senhor escolheu um lado e tomou
um partido, a isso damos o nome de eleição. Elegeu o Senhor a Israel para
fixar-lhes seu amor, para fazer-lhes um favor imerecido e a usar de
misericórdia para com eles. Israel gemia e clamava sob o chicote do feitor,
trabalhava como escravo em ritmo alucinante e desumano, era alienado,
marginalizado e subjugado impiedosamente pelo Faraó. O restante da história é
conhecido por todos, Deus convoca Moisés e Aarão para a missão de liderar a
saída do povo do Egito, depois de sinais, prodígios, maravilhas e muitas
admoestações. Todavia, a escravidão do Egito e todas as formas de sofrimentos
ali amargados pelos judeus, apesar de reais, na verdade tipificavam uma outra
escravidão, mais profunda e mais cruel, a escravidão do homem ao pecado, sob o
jugo do diabo e alienado da presença de Deus. Esta escravidão nunca passou
despercebida aos olhos de Deus, no tempo apropriado enviou o seu Filho para realizar
a libertação da escravidão a que todos nós estávamos encerrados. Jesus, assim
como Moisés, realiza sinais, maravilhas, prodígios e admoestações. Porém há uma
diferença substancial aqui, Moisés manda sacrificar um cordeiro, um animal
irracional e naquele sangue, a libertação é homologada. Jesus, todavia,
oferece-se para o sacrifício, o faz de maneira voluntária e realiza a libertação do homem com
o seu precioso sangue derramado na cruz. Então, a mensagem central da Páscoa é o da
libertação. Sem o compromisso e a proclamação da libertação não há sentido a
celebração desta festa. A igreja cristã, para celebrar com coerência e
consistência esta festa, deve entre outras coisas, renovar de maneira
consciente o seu compromisso integral com a libertação. No sentido
espiritual, é sua tarefa irrenunciável e intransferível o anúncio do Evangelho
de Jesus Cristo para o perdão dos pecados e a reconciliação do homem com Deus. A
proclamação de Cristo crucificado e ressuscitado constituem o fulcro da festa
pascal e da missão da igreja. Contudo, a graça e a bênção da Páscoa da
Ressurreição devem, pela missão da igreja, espargir-se sobre toda a realidade
humana. Onde houver uma situação de escravidão, de alienação, de aviltação da
dignidade humana, para lá a igreja deve encaminhar-se consciente, voluntária e
intencionalmente. A igreja deve transformar a mensagem da redenção
também em atos concretos de libertação. À luz dos atos redentivos de Deus no
Antigo Testamento e do ministério transformador de Jesus que por onde passou só
fez o bem, deve a igreja realizar a sua ‘identidade-na-missão’,
comprometendo-se com uma libertação que seja integral. As marcas da escravidão
estão por toda a parte. Violências gratuitas, guerras cruéis, atentados
terroristas, abuso de menores e incapazes, violência contra a mulher, tráfico
de drogas, alcoolismo endêmico, corrupção política em todos os níveis,
desmantelamento da família tradicional e o fomento de uma cultura de
‘trivialização’ dos valores etc. É exatamente esse o contexto para o qual os
discípulos de Jesus Cristo, como comunidade de libertados, devem encaminhar-se
para proclamar e vivenciar integralmente a libertação que a Páscoa celebra. Portanto,
a celebração desta solenidade cristã não pode esgotar-se nos atos litúrgicos
como um fim em si mesmos, mas deve levar-nos a atos de justiça, característica
essencial do Reino de Deus, que a Páscoa inaugura na ressurreição de Cristo.
Desejo que a comemoração da vitória de Cristo sobre a morte desafie a Igreja e
a cada cristão a enfrentar (capacitados e fortalecidos pelo Evangelho e pela
Graça) e a destruir os poderes da morte presentes e atuantes no mundo pelo
anúncio, presença amorosa, testemunho alegre e serviço comprometido para que
todos tenham vida e vida em abundância. Feliz Páscoa da Libertação a todos.
Reverendo Luiz Fernando
é Ministro da Igreja
Presbiteriana Central de Itapira
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