A Espiritualidade da Cruz
“... Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os
gentios.” (1Co 1.23).
Vivemos numa sociedade que abomina a realidade do
sofrimento. Por todos os meios tenta negar a sua existência. Muitos são os
meios empregados, desde a alienação das drogas lícitas e ilícitas, às técnicas
psicológicas e ás indústrias do cosmético e entretenimento. Também religiões
tradicionais falam do absurdo do sofrimento como uma contradição da existência
humana em face de seu propósito em ser feliz. A cultura contemporânea acusa o
cristianismo de ter glorificado o sofrimento, dizem que não faz bem para a alma
ser confrontada, por meio da cruz, com os lados desagradáveis da vida.
Por isso, infelizmente, no contexto cristão, ou pelo menos, que se faz passar
por cristão não poucas expressões eclesiásticas também anatematizam o
sofrimento e a imagem da cruz. Reputam o sofrimento sempre como uma ação
demoníaca, ou na maioria das vezes, oprimem os fiéis reputando à falta de fé e
de obediência à Deus o sofrimento experimentado. Claro, os demônios tem poder
limitado e limitada liberdade para impingir certos tipos de sofrimentos. A
incredulidade e a desobediência também trazem consigo os sofrimentos que lhes
são próprios. Mas, o fato é que, o sofrimento faz parte da contingência humana.
Todos seremos acometidos pelo “absurdo” do sofrimento, da contradição
unilateral dos elementos desta existência que escapam à nossa vontade ou
controle. Se o sofrimento fosse apenas uma simples questão de falta de fé ou
desobediência, o que teríamos a dizer de Paulo, Estêvão, Pedro e os mártires
todos que regaram o chão da Igreja com o seu sangue? Precisamos redescobrir a
espiritualidade da cruz como linguagem para entender e integrar o sofrimento
como parte essencial na formação de nosso caráter, mas também, como o marca de
genuinidade de nossa fé vivida na contramão dos valores e das medidas deste
mundo. Os cristãos antigos perguntavam menos pela razão do sofrimento.
Para eles, fazia parte de sua existência no mundo. Mas eles viam na cruz uma
ajuda para passar pelo sofrimento sem perecer. A cruz os fortalecia e lhes deu
a esperança de que não podia haver sofrimento que prevalecesse sobre eles.
Ainda que a cruz termine na morte, ela aponta para a ressurreição, para a
transformação do pior sofrimento possível em nova vida, em vida indestrutível.
Assim entendemos que o sofrimento entendido na perspectiva da cruz de Cristo é
a realidade que cruza e contraria diariamente nosso caminho e nossa vida para
quebrar as ideias erradas que construímos em relação a nós mesmos, corroborando
assim para a nossa maior identificação com Cristo. É aquela nova criação para a
qual valem outras medidas, que não as de uma existência puramente mundana, que precisa
se orientar pelas leis desumanas deste mundo caído. O mundo, com suas medidas e
seus parâmetros de desempenho, reconhecimento e felicidade, já não tem poder
sobre nós. O sofrimento recebido na sabedoria da cruz é um sinal da graça de
Deus e um protesto contra as nossas tentativas de redimir-nos a nós mesmos e de
comprar a nossa salvação com o desempenho próprio. O sofrimento nos coloca em
nosso lugar. Criaturas incapazes que dependem da Graça de Deus. Que se não
fossem as contradições da vida e se tudo fosse só sucesso, facilmente nos idolatraríamos a
nós mesmos, como tantos fazem por aí, quais “Narcisos” incensando a própria
vaidade. Por mais absurdo que possa soar aos nossos ouvidos
aburguesados, a espiritualidade da cruz é a chave para a verdadeira vida. Longe
de nós desejarmos o sofrimento, ou atraí-lo, ou produzi-lo gratuitamente. Isto
seria uma blasfêmia e negaria a própria verdade e utilidade da cruz no gracioso
plano redentor do Pai. Mas longe de nós também negar ou não acolher a realidade
do sofrimento categorizando-o como absurdo. Aprendamos dos antigos cristãos: “Teu Senhor não foi pregado no poste da cruz?
Tu deves imitar o teu Senhor! Se amas
teu Senhor, então morre a mesma morte que ele e faze o caminho do
apóstolo: ‘O mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo.’ (Gl 6.4). Por
mundo entenda: elogio humano, poder e sucesso exterior, fama, riqueza, luxúria,
bebedices e glutonerias, fofocas e maledicências...Crucifica-te para estas
coisas” (João Crisóstomo). “E, assim, quando sofrer, que seja por fazer
o bem, ou, para te fazer bem” (Tertuliano). Não existe Cristo sem
crucifixão. Não existe cristão sem Cruz!
Nos Laços da Cruz Gloriosa
Rev. Luiz Fernando, Pastor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário