Certitudo Salutis: A
Certeza da Salvação
por
Oslei Nascimento
1. Definições e comentários introdutórios.
Por
mais incrível que possa parecer, trabalhar sobre o tema certeza da salvação não
é uma tarefa das mais fáceis! Quando o Dr. Augustus Nicodemus Lopes [1]
palestrou e escreveu sobre a certeza da salvação a partir do conceito puritano,
alertou seus ouvintes e leitores acerca do aspecto estritamente doutrinário do
assunto e pediu a maior atenção possível, buscando obter atenção dobrada.
Entendemos que, para ele, dissertar sobre essa segurança seria um trabalho
delicado, ainda mais dentro do conceito puritano. A dificuldade surge da
variedade de interpretações que este tema recebe das teologias: católica e
reformada, com seus argumentos fundamentados em textos bíblicos que os
comprovam. Assim, se já é difícil compreender a certeza da salvação plenamente,
quanto mais defini-la!
Nem
todos os autores e estudiosos preocupam-se em definir certeza da salvação.
Alguns comentam, explicam, avaliam e comparam, mas não definem - como Pearlman
e Chafer, por exemplo. É claro que outros, não apenas fazem o mesmo, mas também
definem: a Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã define a certeza
da salvação como “a confiança do crente em Cristo de que ele, a despeito da sua
condição pecaminosa mortal, é, de forma irrevogável, um filho de Deus e um
herdeiro do céu” [2], afirmando que esta convicção pode ser experimentada por
todo cristão, haja visto que, o próprio Deus lhe dá esta certeza.
Já
Murray, por sua vez, a define assim: “Quando falamos de certeza da fé nos
referimos à certeza nutrida por um crente que está em estado de graça e
salvação, o conhecimento que ele tem de que está salvo, passou da morte para a
vida e tornou-se possuidor da vida eterna e de uma herança na glória”. [3]
Geoffrey define-a de maneira muito simples e agradável. A segurança da salvação
é aquela que o crente possui e lhe dá a certeza de que é um crente e que o
capacita a dizer “eu sei que meus pecados estão perdoados; eu sei que vou para
o céu; eu sei porque...”, e dá as razões. [4]
2. A certeza da salvação e o ato primário da fé.
Em
seu Dicionário de Teologia, o assembleiano Andrade [5] colocou a frase em latim
“Certitudo et gratiae
praesentis et salutis aeternae” que significa a certeza
da graça presente e da salvação eterna. E concluiu, destacando que
a segurança da salvação deriva da justificação pela fé. Apresenta uma
discordância, neste ponto, do conceito puritano, já que os reformadores,
especialmente Lutero, associavam a certeza da salvação diretamente à
justificação; enquanto que os puritanos, sob a influência de Theodore Beza,
criam a certeza da salvação estar ligada à santificação. Ser salvo pela graça
(o que está realmente ligado à justificação), não é a mesma coisa que ter certeza
da salvação (derivada da santificação).
A
maioria dos autores que cito, afirmam que há uma óbvia distinção entre a
certeza da salvação e aquilo que é chamado ato primário da fé. O
primário e direto ato da fé não é a crença de que somos salvos e somos herdeiros
da glória eterna, mas sim, um ato de confiança a Cristo, graciosamente
oferecido a nós no evangelho, no qual podemos ser salvos. O primeiro ato de
salvação é crer em Cristo para a salvação, a certeza da fé é a convicção de que
a salvação é nossa. Desde que a certeza da salvação ou segurança da fé é
logicamente conseqüência ou reflexo do reconhecimento de Jesus Cristo como
Salvador e Senhor, então não pode ser a essência deste primeiro ato de fé (esta
certeza é chamada, portanto, de ato reflexo da fé).
Assim,
sobre o sentido mais específico desta fé salvadora, Louis Berkhof, explica: “Há
certas doutrinas concernentes a Cristo e Sua obra, e certas promessas feitas
nele aos pecadores, que o crente aceita confiadamente e que o induzem a
depositar em Cristo a sua confiança. Em resumo, o objeto da fé salvadora é
Jesus Cristo e a promessa de salvação nEle”. [6]
Berkhof,
também afirma que o ato especial da fé salvadora consiste em receber Cristo e
repousa nele como ele é apresentado no evangelho, conforme Jo 3:16-18: “Porque
Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Por quanto Deus enviou
o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse
salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado,
porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Almeida, RA).
Mas
isto não significa, entretanto, que este primário ato, de receber Jesus pela
fé, deva ser entendido como sempre separado cronologicamente da certeza da
salvação. É possível uma pessoa ser absolutamente salva sem saber ou ter
certeza disso – mas ser salva! Por outro lado, esta convicção pode ser
introduzida no ato da fé salvadora e ser instantaneamente registrada na
consciência do crente.
Então,
entende-se que uma pessoa pode receber Cristo através da fé salvadora e
imediatamente ter impressa em sua consciência a certeza da salvação; outra pode
também receber Cristo pela fé salvadora e levar algum tempo até que adquira a
certeza da salvação e outra, ainda, pode ser sinceramente convertida a Cristo,
mas não ter a certeza de que é salva – às vezes, até por não saber disso!
3. A certeza da salvação e a Confissão de Fé de Westminster.
É
Geoffrey [7] quem afirma, portanto, categoricamente, que a segurança da
salvação não é essencial para a fé salvadora. Conforme sua explicação, a pessoa
pode ser uma cristã e não ter certeza, pode estar realmente salva, mas ter
dúvidas. São descritas como crentes sinceros que sentem falta de segurança,
duvidam da sua própria salvação. Refletem em seu caráter e personalidade a
mansidão que o Senhor Jesus ordenou que aprendêssemos com ele e, demonstram a
ação da graça em suas vidas, mas não têm qualquer convicção de serem salvos;
embora tenham a certeza de que são crentes. Dessa forma, afirma que a segurança
de salvação não é um fator primordial para que a fé salvadora esteja presente.
Robert
Shaw concorda com Geoffrey em sua obra “The Reformed Faith” – ao explicar que a
Confissão de Fé de Westminster sustenta estes argumentos quanto a certeza da
salvação durante ou imediatamente após, ou não, da conversão a Cristo. Conforme
este autor, tem sido ensinado por alguns, que qualquer um que crê em Cristo
deve estar imediatamente consciente e convicto de sua salvação e que esta
conscientização é a primeira evidência de que alguém esteja justificado.
Curiosamente,
a Confissão de Fé faz completo silêncio quanto a veracidade desta evidência,
informa Shaw. Ou ainda, ela claramente indica que esta conscientização é, de
alguma forma, absolutamente inseparável da fé verdadeira. Esta conscientização,
que podemos chamar, como já mencionamos anteriormente, de ato
reflexo da fé, o conhecimento de que se tem crido e surge de
reflexão, é sucessora do ato primário – ou primeiro – da fé, da conversão a
Jesus Cristo.
Assim,
determinando tudo aquilo que já foi discutido anteriormente, se a certeza da
salvação é indispensável para a própria salvação e, se ela vem imediatamente
após ou não o reconhecimento de Jesus Cristo como Salvador, Shaw explica que a
Confissão de Fé de Westminster não considera essencial a segurança da salvação
e graça à fé salvadora. E que, dessa forma, a Confissão admite também que uma
pessoa pode crer em Cristo, e pode ser justificada por sua fé antes de obter a
certeza de que está neste estado, justificada.
Certeza
da salvação e justificação caminham muito próximas uma da outra. Acreditamos
que, da mesma maneira que muitas pessoas têm grande dificuldade em experimentar
da segurança da fé, assim também em compreender o processo da justificação e
seus benefícios espirituais... muito provavelmente porque – talvez
semelhantemente à certeza – ele não suscita sentimentos que identifiquem uma
transformação interior. Antes, exige a fé mais pura e simples de que o fato se
deu nos céus. O teólogo inglês J. I. Packer esclarece isto ao afirmar que: “A
justificação é uma decisão jurídica conferida ao homem e não uma obra operada
no interior do homem; é a dádiva divina de uma posição e de um relacionamento
para com Deus e não de um coração novo. Não há dúvida que Deus regenera aqueles
a quem justifica, mas essas são duas coisas distintas”. [8]
Podemos
concluir, portanto, que a certeza da salvação e seus benefícios podem ser
experimentados e desfrutados por todo aquele que crê em Jesus Cristo como Filho
de Deus, Salvador; mas, ainda assim, já que esta segurança não é indispensável
para a fé salvadora, alguém pode crer em Cristo e pode não estar imediatamente
consciente de que tem verdadeiramente crido para a salvação de sua alma. Nisto
podemos contemplar a maravilhosa e soberana graça de Deus.
4. Bases neotestamentárias.
É
possível experimentarmos a plena certeza da salvação pelo simples testemunho de
vida dos personagens bíblicos, tão conhecidos de todos nós. Tanto no Velho
quanto no Novo Testamento encontramo-los vivendo impressionantes experiências,
conseqüentes da alegria e esperança que depositavam em Deus. Teria Abraão
abandonado sua terra e parentela para aquela terra que Deus lhe mostraria e,
depois, ainda ter-se-ia permitido todas aquelas provas de fé se não cresse na
fidelidade de Deus? Poderia Moisés aceitar o desafio de Deus de libertar o povo
hebreu da escravidão no Egito e, viver todas aquelas aventuras se ele mesmo,
não estivesse certo de que Deus seria fiel e cumpriria suas promessas?
Tanto
nos evangelhos, quanto nas cartas paulinas e gerais podemos encontrar relatos
de cristãos convictos de sua salvação, alegres por causa disso e da certeza do
amor de Deus por eles. Caso não estivesse absolutamente certo de todas estas
coisas, poderia o apóstolo Paulo ter escrito: “Ele me amou e a si mesmo se
entregou por mim” (Gl 2:20b)? Ou “Nada nos separará do amor de Deus que está em
Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8:39b)? Caso este dedicado servo de Deus não
estivesse convicto de sua salvação poderia ele testemunhar tão poderosamente,
ao escrever da prisão: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a
fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz,
me dará naquele dia...” (2 Tm 4:7-8a)?
Também
o evangelista João confirma: “Nós sabemos que já passamos da morte para a
vida...” (1vJo 3:14a), repetindo palavras que ele próprio ouviu Jesus
pronunciar: “... quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a
vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5:24).
Temos,
portanto, na Bíblia Sagrada, o registro do testemunho de centenas de vidas que
servem como exemplo e estímulo para também nós cultivarmos em nossas vidas a
segurança da salvação. O Dicionário Evangélico de Teologia confirma o que já
vimos: “A doutrina da segurança espiritual é largamente ensinada no Novo
Testamento, particularmente por Paulo, João e o autor de Hebreus”. [9]
Se
a vontade do Pai é que creiamos em seu Filho e, dessa forma, tenhamos vida
eterna nEle, então não importa se nossa fé é fraca ou forte; importa que é fé
depositada em Cristo, então é fé salvadora. Confiar em Cristo como Salvador, é
fazer a vontade do Pai, portanto, se assim procedermos, podemos crer que
estamos salvos! A obediência aos mandamentos de Deus ministra à nossa própria
certeza o favor de Deus e a esperança da vida eterna.
5. Fundamentos espirituais.
Examinando
o ensino bíblico descobriremos que, a segurança da salvação tem dois
fundamentos (ou bases), um objetivo e outro subjetivo. Primeiro, fundamentado
na autoridade objetiva da Palavra de Deus, o crente pode saber que foi
escolhido desde a fundação do mundo e que Cristo já o justificou plenamente.
Objetivamente, a certeza da salvação, portanto, não repousa sobre experiências
emocionais, mas sobre a autoridade do testemunho da obra salvífica de Cristo.
Por outro lado, subjetivamente, esta segurança envolve também a convicção
pessoal criada pelo Espírito Santo no coração dos pecadores, de que foram
perdoados, foram adotados na família de Deus como filhos amados e que pertencem
a ele para sempre.
Estes
dois fundamentos podem ser percebidos através das evidências que a maioria dos
autores pesquisados mencionam, as quais vamos tratar a partir de agora:
primeiro, os meios mais comuns que a graça propõe;
segundo, o alicerce da Palavra de Deus;
terceiro, a ministração do Espírito de adoção.
Podemos
alcançar a convicção de nossa salvação pelos meios mais simples que a graça
propõe. Podemos nos deixar convencer pelas evidências que o próprio Deus nos
dá. O cultivo do hábito constante da oração, o louvor a Deus por meio de um
hino, a leitura devocional e o estudo da Bíblia, a prática do evangelismo...
trazem a certeza para dentro do nosso coração.
Uma
outra evidência que temos para a certeza da nossa salvação é a fidelidade de
Deus revelada na Palavra. Quando Deus faz uma revelação incondicional de sua
fidelidade, esperamos que nenhum de seus filhos enfrente dificuldade em crer
naquilo que ele mesmo prometeu. Podemos mencionar as promessas contidas em João
3:16, 4:14, 10:28; Romanos 8:1; 1 João 5:12 e outras. Lembremo-nos de que, o
Senhor vela sobre sua Palavra, para a cumprir (Jeremias 1:12) como Ele mesmo
disse por meio do profeta: “... a palavra que eu falar se cumprirá...”
(Ezequiel 12:25).
Por
fim, o testemunho interior do Espírito Santo na vida do cristão, como o
apóstolo Paulo aponta: “O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que
somos filhos de Deus” (Rm 8:16) e “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao
nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4:6). É uma
segurança ministrada pelo Espírito de Adoção.
Um
texto extraído da Internet traz uma interessante ilustração: Durante os últimos
estágios da Segunda Guerra Mundial, o General Douglas MacArthur manteve a
promessa que tinha feito ao povo das Filipinas quando foi forçado a deixar as
ilhas em 1942. Ele retornou com tropas suficientes para ajudar os filipinos a
retomar o seu país. Agradecido por sua ajuda quando todos pareciam perdidos, o
governo em Manila orientou seus exércitos para começarem uma tradição: gritar o
nome de MacArthur em cada chamada para a revista das tropas. Cada companhia
designou um oficial que deveria responder, dizendo “Presente em espírito”.
Aquele gesto simbólico ajudou a garantir que a dedicação e a coragem do general
permanecessem no coração dos soldados mesmo muito tempo depois de sua partida.
[10] O Espírito Santo faz coisa semelhante em nossos corações. Ele clama
“Paizinho” e prova que Deus é nosso Pai e nós, somos seus filhos. Assim, se
você clama, está no caminho do céu, pode ter certeza da sua salvação.
6. Últimas considerações.
Um
tema que parece tão simples a princípio revela-se desafiador e fascinante!
Apesar de não ser considerado indispensável para a fé salvadora – de forma que
alguns crentes serão salvos mesmo sem ter, sequer conhecimento disso – a
certeza da salvação contribui para o desenvolvimento da própria fé, para o
crescimento espiritual e para o aperfeiçoamento da vida cristã. Como escreveu
Berkhof: “O conceito correto parece ser que a fé verdadeira, incluindo, como
inclui, confiança em Deus, importa naturalmente em um sentimento de segurança e
certeza, embora isso possa variar em grau”. [11]
Como
já mencionamos acima, nem sempre o crente pode estar consciente dessa
segurança, haja visto que nem sempre vive plenamente a vida de plena confiança
e não toma consciência das bênçãos espirituais que lhe são reservadas.
Portanto, quando nos encontrarmos sob a influência de dúvidas e incertezas,
devemos buscar cultivá-la, de todas as maneiras que o próprio Deus tem colocado
ao nosso alcance, sendo que Ele prometeu não apenas salvar-nos, mas também
sustentar-nos.
Como
pudemos ver anteriormente, a obtenção e a constância da nossa certeza não
depende de elementos externos, mas através do cultivo do hábito da oração, o
estudo das promessas de Deus reveladas na Bíblia, e pela busca de uma vida
transformada, na qual é evidente o fruto do Espírito, ela pode ser alcançada,
cultivada e fortalecida.
NOTAS:
1
Augustus Nicodemus, “Segurança da Salvação – Conceito Puritano I” in: Jornal Os
Puritanos, ano IV nº 02, 1996.
2
Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, 1988, p 271.
3 John Murray, The Collected Writings of
John Murray. 1977, 2 vol, p 264.
4
Thomas Geoffrey, “Segurança da Salvação”, in: Os Puritanos, ano IV – nº 02,
1996, p 07.
5
Claudionor Correia Andrade, Dicionário Teológico, CPAD, 6 ed, 1998, p 80.
6
Louis Berkhof, Manual de Doutrina Cristã, LPC, 1985, p 229.
7
Geoffrey, ibid.
8
J. I. Packer, Vocábulos de Deus, Editora FIEL, 1994, pp 129-134.
9 Evangelical Dictionary of Theology,
1984, p 92.
10
new-life@aba2net
11Berkhof,
ibid.
Fonte: Revista
Pensador Cristão
O Rev. Oslei Nascimento é pastor da Igreja Presbiteriana Central de Londrina –
PR.
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