Ecoteologia 2 – Introduzindo o assunto na IPCI: Bíblia, vida cristã e Meio Ambiente.
“E vi novos céus e uma nova terra.” (Ap 21.1)
Um dos elementos originais da ecoteologia consiste na forma de compreender a relação entre criação, graça e pecado, encarnação, redenção e consumação. Ou seja, a unidade e a interdependência dos elementos que constituem a experiência salvífica cristã. E, no interior desta reflexão, proclama-se que todos os seres participam do projeto salvífico de Deus. Vejamos como se percebe tal realidade a partir da Bíblia. Na experiência do Povo de Israel, a crença no Deus criador amplia e aprofunda a fé em Javé salvador. Salvação aqui é entendida em sentido histórico, e não inclui ainda o destino do ser humano após a morte. O mesmo Senhor que libertou o povo da escravidão do Egito – e esta é a experiência salvífica fundante -, convoca-o para o pacto de Aliança. Interessante notar como em alguns Salmos passa-se tranquilamente da proclamação do Deus criador para o Deus-salvador. O Sl 136 resume este louvor ao Deus criador e salvador: o amor de Javé perdura para sempre! O Deus que criou os céus, a terra, as águas, os astros (v.1-9), libertou o povo da escravidão do Egito (v.10-15) e o conduziu pelo deserto (v.16-24). Deus cria salvando e salva criando. Após a frustrante experiência do reinado e da destruição da nação, eclode através da consciência profética a esperança de uma nova criação (Is 40,3-5; Is 11,6-9; Ez 47,1-12). O termo não alude a uma reconfiguração da comunidade biótica, com o desenvolvimento de novas espécies de plantas e animais, e sim, a uma nova sociedade onde reina a paz, a fraternidade, o conhecimento de Deus, a justiça e a misericórdia. Diríamos hoje: a criação é a mesma, a situação dos seres humanos nela muda radicalmente. Por que então o escritor bíblico usa este termo? Ele expressa que a criação não é algo acabado, pois está aberta ao futuro. Se o povo de Deus mudar suas posturas com relação a Javé e colocar em prática os seus preceitos, algo se transformará também no ambiente. E há algo mais. De forma simbólica – e não se trata somente de uma metáfora – os autores bíblicos tem consciência de que os outros seres participam da glória que Deusreserva ao seu povo: “É na alegria que vocês vão sair, e serão conduzidos na paz. Na passagem de vocês, montanhas e colinas explodirão em aclamações, e todas as árvores do campo baterão palmas” (Is 55,12s). Nos evangelhos sinóticos, anuncia-se que Jesus é o messias, o salvador, o Filho de Davi, aquele que inaugura o Reinado de Deus (Mc 1,15) e manifesta o Deus do Reino. Pelos gestos e as palavras de Jesus, o Reino está acontecendo. A salvação já começou! O evangelista Lucas tematiza isso de forma breve e inequívoca, no encontro de Jesus com Zaqueu: Hoje a salvação entrou nesta casa (Lc 19,9). Já o quarto evangelho, especialmente no prólogo, explicita que a experiência salvífica ganha densidade com a encarnação do Filho de Deus: O verbo habitou entre nós, e nós vimos sua glória (Jo 1,14). Os escritos paulinos buscam interpretar o sentido da morte e da ressurreição de Jesus para as primeiras comunidades cristãs. Paulo usa várias imagens e analogias, tomadas de seu contexto cultural: libertação do pecado, vitória sobre a morte, vida entregue, redenção da escravidão do pecado, expiação, morte do justo (2 Cor 5,15; Rm 6,10, Gl 2,20, Ef 5,2). Nenhuma delas, de forma isolada, dá conta de explicar o sentido salvífico da morte de Jesus. Paulo explicita que a ressurreição de Jesus também é salvadora. Jesus, o ressuscitado, é o primogênito, o verdadeiro Adão, o primeiro membro da nova humanidade (Cl 1,15.18). Por isso, podemos esperar a vinda gloriosa de Jesus, na qual ele entregará o Reino ao Pai (1 Cor 15,24). Desta esperança ativa da consumação, da recapitulação, todas as outras criaturas participam, gemendo e clamando (Rm 8,22)! E o autor do Apocalipse anuncia que esta esperança já começou a se realizar: “Eu vi um novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1). O testemunho neotestamentário da criação não está centrado no início do mundo e sim no querigma da ressurreição e na pneumatologia. Nelas, o criar de Deus é escatologicamente compreendido como “chamar à vida”, “ressuscitar” e “vivificar”, pois se referem à criação no fim dos tempos, ou seja, a nova criação. Podemos dizer, à luz da Sagrada Escritura, que criação do mundo e nova criação, iniciada com a ressurreição de Jesus, são realidades interdependentes. Da forma semelhante, a encarnação de Jesus, sua vida e missão, sua morte de cruz e a ressurreição são distintos momentos de uma mesma realidade salvífica. Ofertada ao ser humano como graça e dom, a salvação começa a se realizar na história (irrupção do Reino de Deus) e se consuma para além dela. Os que acolhem a graça divina são transformados em novas criaturas (2 Cor 5,17) e estabelecem relações, baseadas no amor, com a comunidade humana e todos os outros seres. O que isso tem a dizer à Teologia em perspectiva ecológica? A ecoteologia não é simplesmente uma teologia da criação com tons verdes. Mas, história humana e seu destino final devem ser compreendidos em íntima relação com o ecossistema, a nossa casa comum. Não se trata somente de uma mudança de conceitos e de percepção, mas também na espiritualidade e na ética. A luta pela “vida plena” (Jo 10,10) se traduz também em empenho pela sustentabilidade, em garantir a continuidade da vida no nosso planeta. E a experiência de Deus, no cultivo da sintonia orante com todos os seres, criados com carinho pelo Senhor e destinados à glória.
Texto: Afonso Murad Adaptado para o Boletim por Rev. Luiz Fernando
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