Ecoteologia – Introdução ao assunto na IPCI
“E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden (...), e pôs nele o homem.” (Gn 2.8).
O mundo dá muitas voltas, e certas convicções de raiz retornam com novos matizes. A cultura da modernidade, a partir dos séculos XIV e XV, proclamou com orgulho a submissão da natureza ao ser humano. A filosofia moderna segue o mesmo caminho, ao sustentar a centralidade do homem, com a autonomia da razão científica, filosófica e subjetiva. A sociedade urbano-industrial e o progresso ilimitado pareciam um sonho sem fim. O antropocentrismo é uma tendência irreversível a se consolidar em todo o orbe. Mas algo levou a questionar tal visão: a consciência planetária. Somos filhos da Terra e responsáveis pelo seu futuro. A contínua degradação do ecossistema, a crise da pretensão de totalidade da ciência, a crescente consciência do desenraizamento do ser humano em relação ao mundo natural e outros fatores criam condições favoráveis para a eclosão de vigoroso movimento ecológico no mundo inteiro. A ecologia pode ser compreendida como ciência, ética e paradigma. As três dimensões se completam. Enquanto ciência, ecologia significa o estudo de como se inter-relacionam todos os seres que constituem a “comunidade de vida” em nosso planeta: os seres abióticos (água, ar, solo e energia do sol), os seres bióticos (microrganismos, plantas e animais) e o ser humano. Nascida da biologia, a ecologia ultrapassou seu campo inicial de conhecimento, ao propor estudar as relações, os contextos, e não somente determinados seres vivos em seu hábitat. Forja-se então a categoria “interdependência”: todos os seres estão em rede e as redes de matéria e energia são constitutivas na teia da vida. Ecologia, enquanto ética, diz respeito ao despertar da consciência (ecopercepção) e a empreender ações que tenham em vista a sustentabilidade. Inicia-se com a percepção de que a atual forma de o ser humano se relacionar com o ecossistema está equivocada e levará a humanidade e nossa “casa comum” a desastre sem precedentes. As mudanças climáticas fazem perceber, de forma inequívoca, que a atuação irresponsável do ser humano em relação ao ecossistema tem consequências graves e simultâneas, tais como alteração do ciclo das estações, perda da biodiversidade, contaminação (do solo, do ar e da água), perdas econômicas na agricultura, aumento de doenças respiratórias, custos econômicos não contabilizados e externalizados, etc. A ética ecológica articula, de forma nova, a questão do indivíduo, do grupo, da instituição e das estruturas sociais e econômicas. Ela rejeita a exclusividade de fatores e a oposição entre subjetividade e coletividade. Propugna que a sociedade ecologicamente sustentável é possível quando se somam, de forma interdependente, atitudes individuais, ações familiares e coletivas, gestão institucional, adoção de políticas locais e nacionais, além de acordos internacionais em forma de protocolos vinculantes. Assim, sustentabilidade postula também novo ethos humano e sociopolítico. Implica mudança de hábitos pessoais e comunitários de consumo e descarte. Interfere no processo de extração, produção, distribuição, consumo, descarte (ou reciclagem) dos bens e nos serviços a eles associados. Qual a originalidade da ecoteologia, neste contexto? Brevemente: 1º - Trata-se de reflexão que resgata a unidade da experiência cristã e de sua formulação, apresentando em seu discurso a relação entre criação, história, encarnação, morte e ressurreição de Jesus, e o início da nova criação. 2º - Reelabora a teologia da criação na perspectiva da interdependência, mostrando que o ser humano, nos relatos bíblicos, é feito por Deus do barro da terra (consciência ecoplanetária), para cuidar do jardim, assim como para servir-se das outras criaturas, exercitando o co-senhorio de Deus O Senhor. Há relação estreita entre criação e salvação, e todos os seres estão nelas implicados. 3º - Explicita e fundamenta a ética do cuidado com o mundo, em ligação estreita com a moral social, ampliando sua abrangência. 4º - Estimula a espiritualidade ecológica, que associa no louvor e no serviço todos os seres à obra criadora, redentora e santificadora da Trindade. É a espiritualidade “holística”. A holística pode servir à construção do cristianismo atualizado, coerente e cheio de vida; boa-nova para homens e mulheres desesperançados em busca de um fio condutor, sedentos por nova forma de enfocar a posição do ser humano em relação ao cosmos. Em suma, a ecoteologia contribui para ressituar o ser humano à luz da fé cristã, no momento atual de crise global, e contribui para consolidar a consciência planetária: somos “filhos da Terra” e responsáveis por seu futuro. A ecoteologia se encontra em situação semelhante àquela vivida, faz alguns anos, pela teologia da libertação, quando adotou conceitos e categorias novos, e deve testar a pertinência, a legitimidade e a adequação deles. A dessemelhança reside no acento: não somente na práxis transformadora de cunho social, mas na também na postura ética e na mística que animam a existência humana na relação com a biosfera. Enquanto prática libertadora, a ecoteologia e sua vertente ética ampliam a percepção da prática libertadora, estimulando o compromisso socioambiental dos cristãos.
Adaptado por Rev. Luiz Fernando, de Afonso Murad
Fonte: Introdução a Teologia - Loyola, 2011, cap. 8
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